Negociações

Disputa por votos no Congresso alertará para perdas de direitos sociais

Em um Parlamento fragmentado, articulações dos ministros com deputados serão 'no varejo', um a um. Discussões incluem ainda destinação de cargos e liberação de emendas

memória/ebc

Líder do PT na Câmara, Afonso Florence, disse que a discussão do governo com os deputados será por projetos

Brasília – Com a saída do PMDB do governo, a ser formalizada na tarde de hoje (29), e as negociações com bancadas de outros partidos sobre a permanência na base aliada, o Palácio do Planalto e os parlamentares governistas tendem a mudar de estratégia. A ideia é trabalhar, daqui por diante, no “varejo” para conter o impeachment, buscando votos de cada deputado, um a um, e não mais entre as bancadas.

As negociações têm dois pontos básicos como foco. O primeiro, alertar deputados e senadores sobre os riscos de crescimento de uma agenda neoliberal no país, com a entrada de Michel Temer na Presidência, o que poderia resultar em perdas de direitos trabalhistas e sociais, além de iniciativas voltadas para a privatização de estatais.  O segundo refere-se a tratativas sobre liberação de emendas parlamentares nos estados e negociações sobre os cerca de 500 cargos que hoje pertencem ao PMDB.

Segundo informações de assessores da Presidência, a expectativa é de que nem todos esses cargos sejam entregues, apesar da debandada dos peemedebistas – uma vez que vários integrantes do partido poderão manter a decisão de se posicionar contrários ao impeachment. Dos seis ministros do PMDB que deixarão os cargos (tirando dessa conta Henrique Eduardo Alves, que saiu ontem à noite do Ministério do Turismo), espera-se que três continuem no governo, mesmo saindo do partido: Kátia Abreu (Agricultura), Marcelo Castro (Saúde) e Celso Pansera (Ciência e Tecnologia).

O líder do PT na Câmara, Afonso Florence (BA), disse que a discussão dos petistas e da liderança do governo com os deputados será por projetos. Ele destacou, nessa agenda neoliberal, “o  fim da política de valorização do salário mínimo; o fim do regime de partilha no pré-sal (que destina recursos para a educação e a saúde), com a volta do regime de concessão instituído no governo Fernando Henrique Cardoso e desvinculação, no orçamento da União, da destinação de recursos para áreas como a saúde e a educação, além da derrubada de direitos trabalhistas da CLT”.

“O programa ‘Uma Ponte para o Futuro’, apresentado pelo PMDB, foi definido por muitos analistas como o programa para um possível governo Temer, na hipótese do impeachment. Caracteriza-se como uma proposta de desmonte de tudo o que foi feito pelos governos do PT nos últimos anos”, acrescentou o líder.

Voto a voto

O analista político Alexandre Bandeira, diretor da Associação Brasileira de Consultores Políticos no Distrito Federal (Abcop), também avalia que o momento é do Executivo atuar voto a voto para conseguir ter os 177 que vão barrar a aprovação do processo de impeachment no plenário da Câmara.

“Não dá mais para atuar no atacado. O governo precisa de poucos votos para derrubar o impeachment, e a situação ainda é favorável à presidenta Dilma Rousseff do ponto de vista de votação em plenário. Então, a hora é de busca de dissidentes por parte do PMDB e de negociação com os deputados dos outros partidos e não mais de negociações entre as bancadas”, ressaltou.

Contribui para esse trabalho a liberação de muitas legendas para que seus deputados atuem da forma que acharem conveniente na votação do impeachment. O primeiro a se posicionar dessa forma foi o PRB, seguido do PSD. Entre hoje e amanhã siglas como PTB e PR fazem reuniões para definir se seguem esse caminho. Continuam fechadas com a base aliada as bancadas do PT, PDT e PCdoB.

Mesmo assim, até o resultado final da reunião do PMDB, nesta tarde, o trabalho de convencimento aos ministros e deputados do partido continua. “A saída do PMDB do governo é inevitável, mas estamos atuando para que a cisão não seja tão drástica”, chegou a afirmar o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga (AM), durante as reuniões de ontem.

Pesa nesta discussão o posicionamento do líder peemedebista na Casa, Leonardo Picciani (RJ), que permanece em cima do muro apesar do anúncio do diretório regional fluminense de que vai votar pelo rompimento.

‘Conspiração’

“Não quero aqui imaginar que — em desapreço ao papel constitucional que exerce e ao papel institucional que tem como presidente do PMDB — o vice-presidente da República, Michel Temer, conspurque a própria biografia em uma conspiração para destruir a chapa pela qual se elegeu, ao trabalhar para derrubar a sua titular”, afirmou o líder do governo no Senado, Humberto Costa (PT-PE), em discurso inflamado no plenário. “Seria um ato de ignorância sem tamanho, um suicídio político”, acrescentou.

De acordo com o líder, os manifestantes que hoje ocupam as ruas para pedir ‘Fora Dilma’ não vão defender o atual vice-presidente no caso de Temer assumir o governo. “Depois de arrancarem, com um golpe constitucional, a presidenta da cadeira que ela conquistou pelo voto popular, essa gente vai para casa porque estará cumprida a sua vingança e porque não lhe tem apreço algum”, acentuou, numa referência a Temer.

Este é o tom que se espera ser usado daqui por diante pelos petistas contra Michel Temer e o PMDB, tanto por meio de conversas de ouvido como em reuniões entre poucos participantes nos gabinetes das lideranças e com os ministros da coordenação política.