Jogo duplo

Entre Bolsonaro e Kassab, Tarcísio fecha primeiro ano com PM mais violenta e privatizações

Governador desagradou bolsonaristas com idas a Brasília para reuniões com Lula e Haddad, mas usou PM para se reconciliar. “É um governo sem transparência, é um governo conservador e em alguns casos e é um governo truculento”, diz cientista político

Francisco Cepeda/Governo do Estado de São Paulo
Francisco Cepeda/Governo do Estado de São Paulo
Privatizações, apoio a grileiros e polícia mais violenta. Assim, Freitas fecha seu primeiro ano de governo

São Paulo – Em seu discurso de posse como governador de São Paulo na Assembleia Legislativa, em 1º de janeiro de 2023, Tarcísio de Freitas (Republicanos) fez questão de lembrar de duas figuras políticas: o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e Gilberto Kassab (PSD), que seria empossado como secretário de Governo de sua gestão. Foram estes dois aliados que nortearam seu trabalho no primeiro ano à frente do Palácio dos Bandeirantes.

Respeitando os signos dos dois padrinhos políticos, deu carta branca à Polícia Militar, nomeando o bolsonarista Guilherme Derrite, um servidor da corporação, para chefiar a Segurança Pública. Como resultado, colheu o aumento da letalidade policial, que disparou em 2023.

Na outra ponta, abriu as portas do Palácio dos Bandeirantes para Kassab, que passou a cuidar da articulação política de Freitas com o governo federal, as prefeituras e a Assembleia. O ex-ministro dos presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), e ex-prefeito de São Paulo, foi o fiador do governo do carioca que assumiu São Paulo sem nunca ter vivido no estado.

O jogo duplo de Freitas e as fissuras com bolsonaristas

Ignorando os apelos de bolsonaristas, mas alinhado com Kassab, Freitas visitou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no dia 12 de janeiro de 2023. O petista derrotou Jair Bolsonaro em 2022 e foi o principal antagonista dos seguidores do ex-presidente. A foto oficial do encontro, publicada por Lula em suas redes sociais, não foi divulgada pelo governador. O fato, no entanto, desagradou os bolsonaristas, e Freitas passou a ser criticado por aliados do ex-presidente.

Em novembro, após Kassab costurar mais uma ida de Freitas a Brasília, Bolsonaro correu aos microfones para criticar seu aliado. “Não está tudo certo. Eu não mando no Tarcísio. Ele é um baita de um gestor. Politicamente dá suas escorregadas. Eu jamais faria certas coisas que ele faz com a esquerda”, disse o ex-presidente.

No dia 10 de julho, Freitas visitou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Os dois foram adversários políticos nas eleições de 2022, quando disputaram o Palácio dos Bandeirantes. No encontro, trocaram elogios e Bolsonaro, mais uma vez, criticou o governador de São Paulo. “Eu não tiraria a foto. Aí eu sou radical. O que eu tenho a ganhar com Haddad, meu Deus do céu?”, bradou Bolsonaro, inflamando sua base contra Freitas.

Em outro aceno à centro-direita, Freitas pisou no acelerador na privatização da Sabesp, aprovada em apenas 50 dias, desrespeitando os ritos necessários para compreensão, debate e proposições da população. Também conseguiu aprovar e colocar em prática o PL da Grilagem, demanda do agronegócio paulista. O projeto determina a venda de terras devolutas para grileiros com até 90% de desconto. O texto original foi desenvolvido na gestão do ex-governador João Doria, ex-aliado de Bolsonaro.

Mortes, grilagem e privatizações

A partir de então, vieram os acenos aos bolsonaristas, que defendem uma concepção de segurança pública com foco no aprimoramento do aparelho repressor. Em julho, o governo federal decretou a extinção do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), implantado na gestão de Bolsonaro. Freitas foi às redes sociais anunciar que, em São Paulo, o modelo continuaria vigorando.

Atualmente, o estado tem oito escolas com educação cívico-militar, sendo uma estadual e sete municipais. No dia 5 de dezembro, Tarcísio de Freitas divulgou um edital regulamentando e ampliando este tipo de modelo.

No meio do ano, Tarcísio se tornou alvo da opinião pública ao apoiar a chacina de Guarujá, no litoral de São Paulo. O governo anunciou a criação da Operação Escudo, que deveria investigar a atuação do crime organizado na região. Após a morte de um policial em Guarujá, 28 pessoas foram assassinadas por policiais militares. No município, moradores acusaram a polícia de agir indiscriminadamente, apenas para vingar a morte do agente.

Essas 28 mortes não estão nos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) que mostram que a letalidade policial aumentou 8,3% em São Paulo, em 2023, em relação ao ano anterior. O número vai na contramão da média nacional, que teve queda de 3,5%.

A piora no índice não parece preocupar Tarcísio. Ao contrário, o governador afirmou que não investirá em câmeras corporais para policiais. Em entrevista ao programa Bom Dia SP, da TV Globo, nesta terça-feira (2), ele disse que as câmeras não têm eficácia na “segurança do cidadão”. Uma fala que contradiz pesquisas sobre o tema e a experiência da própria Polícia Militar de São Paulo com o equipamento.

Uma gestão do Republicanos

Para o cientista político Rudá Ricci, Freitas “se afastou em diversos momentos do bolsonarismo, embora tenha tido crises de abstinência”. “Ser próximo de Bolsonaro é viver espetáculos, provocações, intrigas e incompetência administrativa. Tarcísio se esforçou, como na cena das marteladas no leilão do Rodoanel. Porém, sua gestão levou a mão invisível de Kassab. E Kassab pode ser oportunista, mas não bolsonarista.”

Maria Teresa Miceli Kerbauy, professora dos Programas de Pós-graduação e Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), cita outro ponto de tensão entre Freitas e Bolsonaro. “A gestão neste primeiro ano foi marcada por uma série de tensões com o bolsonarismo e sua base de apoio, além dos embates com o prefeito de São Paulo, que culminou na sinalização que o Tarcísio chegou a dar de que não apoiaria a reeleição de Ricardo Nunes”, recordou Maria Teresa.

Quando decidiu bancar o programa de gratuidade no transporte em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) contava com o apoio de Freitas. Especialistas explicam que sem a integração dos ônibus (município) com os trens da CPMT e Metrô (estado) não há como a tarifa zero ser aplicada.

Porém, às vésperas do anúncio, o governador de São Paulo recuou e deixou Nunes vulnerável. O prefeito remodelou o programa e a gratuidade passou a valer apenas aos domingos. A essa altura, a extrema direita cogitava a ascensão do deputado federal Ricardo Salles (PL), ex-colega de Freitas no Ministério de Bolsonaro, à condição de candidato à prefeitura de São Paulo.

Aumento da passagem

Na semana seguinte, Freitas anunciou o aumento da tarifa nos trens da CPTM e do Metrô, que saltou de R$ 4,40 para R$ 5. Comumente, em São Paulo, os reajustes de passagem são feitos conjuntamente entre o governador do estado e o prefeito da capital, para diluir os riscos do desgaste político.

No entanto, Nunes recuou e decidiu manter a tarifa em R$ 4,40, deixando o ônus para Freitas. Ato contínuo, Bolsonaro e a cúpula do PL decidiram apoiar o atual prefeito no pleito de 2024, constrangendo Freitas, que terá que subir no palanque do adversário político.

Para Francisco Fonseca, professor de Ciência Política da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mesmo com os acenos, Freitas está à frente de “um governo sem propostas e tipicamente bolsonarista, que é um neoliberalismo na economia, que quer privatizar tudo na marra, lembrando a Argentina de Milei”. “É um governo sem transparência, é um governo conservador e em alguns casos e é um governo truculento, com a polícia truculenta, vimos o que aconteceu no Guarujá. Um governo truculento, pois vimos o que aconteceu também na Alesp, durante a privatização da Sabesp”, acrescenta.

Com reportagem de Igor Carvalho, do Brasil de Fato