Gestão da insegurança 

Licença para matar: Tarcísio admite que não investirá em câmeras para fardas da PM

Governador de São Paulo alegou nesta terça (2) que o uso do equipamento não tem “nenhuma efetividade”, apesar de estudos comprovarem redução da letalidade policial. Republicano defende endurecimento penal, mas ignora denúncias de manipulação das câmeras corporais 

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Para o governador Tarcísio de Freitas, câmeras nas fardas "não trazem segurança para a população". Para o deputado Ivan Valente (Psol-SP), tirar as câmeras é dar "licençar para matar"

São Paulo – O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), voltou a contestar a efetividade do programa estadual Olho Vivo, que prevê a instalação de câmeras nos uniformes de agentes da Polícia Militar (PM). Em entrevista ao jornal Bom dia SP, da TV Globo, nesta terça-feira (2), ele ignorou estudos a respeito, alegando que o equipamento não oferece segurança ao cidadão. E admitiu que sua gestão não investirá na compra de novos equipamentos.

“A gente não descontinuou nenhum contrato. Os contratos permanecem. Mas qual a efetividade das câmeras corporais na segurança do cidadão? Nenhuma”, afirmou o governador. No final de 2023, o republicano já havia cortado do orçamento R$ 11 milhões do programa. O orçamento inicial para a ação de registro de ocorrências policiais, por meio de câmeras portáteis, era de R$ 152 milhões. A dotação, porém, já havia sido reduzida para R$ 136 milhões. Na época, somente R$ 93 milhões haviam sido empenhados e apenas metade disso (R$ 45 milhões) efetivamente liquidados.

Ao contrário da declaração do bolsonarista, um levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgado em 2022, mostrou que o uso das câmeras nas fardas evitou ao menos 104 mortes naquele ano. Além disso, a letalidade dos policiais chegou ao menor índice da história no ano passado. O programa é elogiado por especialistas em segurança pública por proteger também a vida dos policiais. Eles contestam apenas as brechas que vêm permitindo que PMs manipulem as câmeras corporais, burlando, por exemplo, o sistema de armazenamento das imagens captadas em serviço.

Aprimoramento do programa

Reportagem publicada em dezembro pelo portal UOL, a partir de depoimentos de policiais civis e militares, promotores, membros do Judiciário e pesquisadores da área, identificou diversas formas usadas por agentes para fraudar os registros. Entre elas, o próprio PM poder apagar um vídeo, como mudar a data de gravação. A função preventiva de inibir violência também fica prejudicada pela ausência de uma controladoria independente.

“No começo, as câmeras e a utilização de armas não letais repeliram a letalidade policial. Mas agora eles (os policiais) perceberam que podem ficar impunes, propiciando abusos de autoridade”, afirmou ao veículo o soldado Bruno Rodrigues Dias, profissional de tecnologia da informação e que teve papel estratégico na implantação das câmeras corporais no estado.

Apesar das denúncias, o necessário aprimoramento do programa, defendido por especialistas, não foi comentado pelo governador. Ao contrário, ao longo da entrevista Tarcísio defendeu o aumento do efetivo policial, principalmente na região central da cidade de São Paulo. O plano, segundo ele, é ter mais de cinco mil agentes no local.

Negacionismo bolsonarista

Tarcísio disse ainda ter conversado sobre o assunto com outros governadores para apresentar um projeto pedindo o endurecimento da legislação penal para tentar coibir a violência. “Precisa aumentar o risco do crime. Impressiona a quantidade de criminosos, condenados pela Justiça, soltos”, reproduziu o governador a visão punitivista do bolsonarismo.

As falas foram contestadas pelo deputado federal Ivan Valente (Psol-SP), que classificou os planos de Tarcísio como uma “licença para matar”. “Letalidade policial em SP caiu 62,7% com uso de câmeras corporais. E que diz Tarcísio: ‘qual a efetividade das câmeras corporais na segurança do cidadão? Nenhuma’. O bolsonarista nega os dados e investimentos pra justificar sua política criminosa de mortes”, destacou o parlamentar na rede X, antigo Twitter.

Desde a campanha eleitoral, em 2022, o republicano contesta, apesar das evidências científicas, a implementação de câmeras nas fardas de PMs. O que foi, inclusive, destaque no jornal inglês The Guardian, que apontou o “negacionismo” do então candidato ao Palácio dos Bandeirantes. Tarcísio chegou a anunciar que acabaria com o programa, mas teve de voltar atrás após críticas.

Redação: Clara Assunção