Faltou decoro?

Deputadas do PT e do Psol são processadas por se manifestarem contra o marco temporal

Conselho de Ética da Câmara instaurou processos disciplinares contra as deputadas do PT Erika Kokay (DF) e Juliana Cardoso (SP) e do Psol, Célia Xakriabá (MG), Sâmia Bomfim (SP), Talíria Petrone (RJ) e Fernanda Melchionna (RS). Ação partiu da direção do PL

Pablo Valadares/Câmara
Pablo Valadares/Câmara
Deputadas voltaram a se manifestar. Dessa vez, contra o processo na comissão

São Paulo – O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara abriu nesta quarta-feira (14) processos disciplinares contra deputadas do PT e do Psol que se manifestaram contra a aprovação do PL 490/07, do marco temporal. O PL, partido do ex-presidente, ingressou com representações contra Célia Xakriabá (Psol-MG), Sâmia Bomfim (Psol-SP), Talíria Petrone (Psol-RJ), Erika Kokay (PT-DF), Fernanda Melchionna (Psol-RS) e Juliana Cardoso (PT-SP). Todas teriam quebrado o decoro parlamentar.

Segundo a legenda, as parlamentares gritaram aos microfones, que foram cortados, que os deputados favoráveis ao texto são “assassinos do povo indígena”. E que teriam continuado a ofender os parlamentares da oposição. Em especial o deputado Zé Trovão (PL-SC), autor do requerimento de urgência para a votação do projeto do marco temporal em plenário. O PL acrescenta que as deputadas usaram as redes sociais para “manchar a honra de diversos deputados”.

O projeto de lei em questão limita a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Como se os povos indígenas tivessem chegado ao Brasil 488 anos após a chegada dos portugueses. E não ocupassem o território há cerca de 12 mil anos.

Tudo começou com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que apresentou representação conjunta contra todas as seis deputadas. No entanto, em 2 de junho pediu a retirada de tramitação da representação, o que ocorreu nesta terça-feira (13). Mas em seguida foram apresentadas à mesa representações individuais.

Deputadas processadas voltaram a protestar

As deputadas representadas protestaram na reunião de hoje com cartazes. “Não vão nos calar”; “Não vão nos intimidar”; e “Basta de machismo”. Os protestos tiveram a solidariedade de vários parlamentares.

Fernanda Melchionna disse que homens também se insurgiram contra os homens favoráveis ao marco temporal e não houve representações contra eles. O que aponta, segundo ela, para uma “caça às bruxas”. Já Sâmia Bonfim observou que as representações foram aceitas em tempo recorde. “Foram quatro horas entre o protocolo e chegar aqui na pauta do Conselho de Ética. Isso nunca tinha acontecido na história do Congresso Nacional”, apontou.

A deputada defendeu o direito de expressão. E destacou que todos os dias as parlamentares são ofendidas, sofrem violência política e até são ameaçadas de morte. E que mesmo assim, não há punição no conselho. 

Célia Xakriabá disse que não há democracia com o silenciamento de mulheres eleitas democraticamente. “Parlamentar significa direito de falar. Por que não possa falar de genocídio, de etnocídio legislado?”, questionou.

Parlamentares saíram em defesa das deputadas

“Não houve nenhuma indignação dos deputados quando no microfone de aparte me chamaram de imbecil. Isso está registrado nos vídeos. Ou quando outros deputados falam com parlamentares chamando-as de abortistas ou vagabundas, mesmo não estando com microfone aberto”, afirmou Juliana Cardoso.

A presidenta da PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), usou uma rede social para criticar a rapidez no caso:

Jack Rocha (PT-ES) lembrou que a coordenação da Bancada Feminina da Câmara emitiu nota suprapartidária no início do mês sobre as representações, que configuram violência política contra as deputadas. E que “são uma tentativa de silenciar as parlamentares, de impedir o exercício dos seus mandatos e de obstaculizar seus direitos políticos”.

Representação configura violência política

“É violência política de gênero sim, é violência contra os povos indígenas, é transformar o conselho em instrumento daqueles que acham que podem calar a voz das mulheres no Parlamento, eliminar o outro porque pensa de forma diferente”, reiterou a deputada Erika Kokay. Conforme ela, as deputadas não podem ser processadas por expor o que pensam.

O deputado Chico Alencar (Psol-RJ) também questionou a celeridade das representações, diante de tantos outros que continuam na Mesa Diretora. Segundo ele, em 2 de fevereiro protocolou representações contra parlamentares que, por meio de suas redes sociais, se manifestaram em favor dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. E que ainda estão “na gaveta”.

Confira os processos contra as deputadas

  • Processo 8/23, referente à Representação 9/23, contra a deputada Célia Xakriabá. A lista tríplice sorteada para a relatoria inclui os deputados Paulo Magalhães (PSD-BA), Jorge Solla (PT-BA) e Jack Rocha (PT-ES);
  • Processo 9/23, referente à Representação 10/23, contra a deputada Sâmia Bomfim. A lista tríplice sorteada para a relatoria inclui os deputados Washington Quaquá (PT-RJ), Gutemberg Reis (MDB-RJ) e Miguel Ângelo (PT-MG);
  • Processo 10/23, referente à Representação 11/23, contra a deputada Talíria Petrone. A lista tríplice sorteada para a relatoria inclui os deputados Sidney Leite (PSD-AM), Delegado Fabio Costa (PP-AL) e Rafael Simoes (União-MG);
  • Processo 11/23, referente à Representação 12/23, contra a deputada Erika Kokay. A lista tríplice sorteada para a relatoria inclui os deputados Bruno Ganem (PODE-SP), Ricardo Ayres (Republicanos-TO) e Acácio Favacho (MDB-AP);
  • Processo 12/23, referente à Representação 13/23, contra a deputada Fernanda Melchiona. A lista tríplice sorteada para a relatoria inclui os deputados Gabriel Mota (Republicanos-RR), Ricardo Maia (MDB-BA) e Alex Manente (Cidadania-SP);
  • Processo 13/23, referente à Representação 14/23, contra a deputada Juliana Cardoso. Na reunião do dia 30 de maio, já foi instaurado processo (referente à Representação 5/23) contra Juliana Cardoso pelo mesmo motivo. Segundo o presidente do Conselho, a nova representação será apensada à Representação 5/23, com mesmo relator, o deputado Gabriel Mota (Republicanos-RR).

Das listas tríplices de cada processo, um nome será escolhido relator pelo presidente do Conselho de Ética, Leur Lomanto Júnior (União-BA).

Redação: Cida de Oliveira, com Agência Câmara de Notícias