em São Paulo

Debate evidencia que proposta de reforma política ainda é polêmica

Audiência pública realizada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados apresentou os 12 pontos em debate na nova tentativa de reformar o sistema eleitoral brasileiro

Maurício Garcia de Souza/Alesp

Promovida pelo deputado federal Vicente Cândido, relator da comissão, audiência ocorreu na Assembleia de São Paulo

São Paulo – Concordâncias e discordâncias marcaram a audiência pública promovida ontem (28) na Assembleia Legislativa de São Paulo para debater a nova proposta de reforma política. A audiência foi realizada pela Comissão Especial da Reforma Política da Câmara dos Deputados, instalada há cerca de um mês.

Relator da reforma, o deputado federal Vicente Cândido (PT-SP) disse que essa é a quarta comissão instalada na Câmara dos Deputados para tratar do tema. A diferença agora, segundo ele, é que “dessa vez o Parlamento tem certeza de que é preciso fazer a reforma”. Vicente Cândido explicou que a proposta em debate tem 12 pontos e que os trabalhos da Comissão devem durar toda a atual legislatura da Câmara dos Deputados. Segundo ele, a ideia é implementar uma reforma política gradual, num prazo de até 10 anos e não com todas as mudanças valendo já para a próxima eleição, o que na opinião do parlamentar atrapalha o debate e impede alterações importantes.

Entre os pontos em discussão está o prazo para o pré-registro das candidaturas, o prazo de descompatibilização e a regulamentação das pesquisas. “Há uma vontade de proibir a divulgação das pesquisas alguns dias antes da eleição”, disse o relator da Comissão. De acordo com Vicente Cândido, há cerca de 900 projetos relativos a reforma política no Congresso, mas até hoje só 15 foram votados.

Outros pontos da reforma são as alternativas do sistema eleitoral (como o sistema proporcional, a lista fechada, a lista flexível ou o sistema distrital puro), o modelo de financiamento eleitoral, mecanismos de estímulo a participação das mulheres na política, a cláusula de barreira e a reeleição ou não de prefeitos, governadores e presidente.

Para o desembargador Mário Ferraz, presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo, há concordância com a necessidade de se estabelecer a cláusula de barreira, algo “que infelizmente o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de fazer, não fez e depois se arrependeu”.

Ferraz também concordou com a necessidade de aumentar a participação feminina na política e disse achar interessante o recall, tanto para o legislativo quanto para o executivo, assim como o referendo popular. O recall é um mecanismo que possibilita retirar o mandato do político eleito se ele não cumprir com o discurso de campanha.

O presidente do TRE, no entanto, discordou da proposta de unificar todas as eleições para o legislativo e executivo numa mesma data. “Seria quase impossível no estado de São Paulo fazer eleição para prefeito, governador, deputado, vereador, tudo junto, traria imensas dificuldades.” Para dar a dimensão do que é realizar uma eleição em São Paulo, Mário Ferraz disse que o número de eleitores do estado é quase o mesmo da Argentina.

Outro ponto destacado por ele foi a redução dos prazos para o registro da candidatura, que entrou em vigor na eleição desse ano. “A mudança reduziu um prazo que já era curto. Esse encurtamento causou um caos na nossa justiça. Foi muito grande o número de candidatos que concorreram sub-judice e de candidatos eleitos que ainda aguardam julgamentos. Se o prazo for antecipado vai ajudar muito e o eleitor vai saber com segurança quem de fato pode concorrer.”

Segundo Ferraz, o TRE recebeu no último pleito quase quatro mil processos e ainda há mais de mil para serem analisados.

O distanciamento da classe política

Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SP, Alberto Rollo concordou com o presidente do TRE no que se refere a cláusula de barreira. “A OAB apoia a cláusula de barreira não porque quer acabar com partidos, mas para garantir a governabilidade.”

Ele elogiou a proposta da reforma política ser gradual, para até 10 anos e não imediatista. Disse que a OAB é a favor do voto distrital, ponderando que a melhor forma ainda pode ser discutida. Rollo também se posicionou pelo fim das coligações, para garantir a representação de quem realmente ganhou e afirmou ser a favor do recall, “um instrumento para dar garantia do exercício do mandato”.

Porém, para ele, o recall não poderia valer para o primeiro e nem o último ano do mandato, pois no primeiro o político eleito “está arrumando a casa”e no último pode estar planejando a reeleição.

Ao contrário do presidente do TRE, que defendeu a importância do voto obrigatório por ser importante estimular a participação popular numa democracia tão nova como a brasileira, Alberto Rollo disse que a OAB/SP acredita que o voto deve ser facultativo, “mas a população não poderá reclamar depois de falta de legitimidade de quem foi eleito se a participação nas urnas for baixa”, ressalvou.

Já para Maria do Socorro Braga, cientista política e professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), é preciso pensar como a classe política irá novamente se legitimar diante da sociedade. Ela destacou o apartidarismo do eleitorado brasileiro, como um movimento de crítica à classe política. “Estamos vivendo um momento muito sério. Não é pouca coisa o que está acontecendo”, disse ela, referindo-se ao grande número de votos brancos, nulos e abstenções nas últimas eleições. “Está aumentando a separação entre o eleitor e os políticos.”

Ao contrário dos seus antecessores no debate, Maria do Socorro discordou que o elevado número de partidos interfira na governabilidade. “Não é bem assim.” Para ela, o fenômeno vigente é que grandes partidos, como PT, PSDB e PMDB estão se tornando médios. Por outro lado, concordou que os partidos de aluguel sejam problemáticos e sem representatividade e que só servem para utilizar o fundo partidário e negociar alianças visando tempo de televisão durante as campanhas eleitorais. Sobre o voto facultativo, ponderou que isso traria como consequência a eletização do voto, com tendência a que a classe média e alta compareçam mais às urnas.

Ao final do debate, o deputado Vicente Cândido lembrou que é preciso discutir a possibilidade de haver mandato para as cortes superiores do Judiciário e para os integrantes dos tribunais de contas. “Tudo o que é indicação política deve ter mandato. Não faz sentido eternizar as pessoas que são indicadas”, disse o relator.