CPMI do 8 de janeiro

Coronel Lawand diz que nunca falou em golpe e presidente da comissão evita dar voz de prisão

Em uma das mensagens recuperadas na investigação da Polícia Federal, coronel do Exército exortou ajudante de ordens: “Cid, pelo amor de Deus, o homem tem que dar a ordem!”

Edilson Rodrigues/Agência Senado
Edilson Rodrigues/Agência Senado
“Acho que foi coincidência. Eu não tinha como influenciar o povo", diz militar

São Paulo – A CPMI do 8 de janeiro ouviu nesta terça-feira (27) o coronel do Exército Jean Lawand Júnior, que trocou mensagens comprometedoras com o ajudante-de-ordens de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, no ano passado. Ele apresentou a versão de que, ao pedir a Cid que interviesse para que o então presidente desse a “ordem”, não se referia a golpe. Disse que queria dizer, na verdade, que o pedido era para que o presidente “desse a ordem para apaziguar o país”.

“Acreditava que se viesse uma ordem, como aconteceu com os caminhoneiros, o país seria apaziguado”, afirmou. “Em nenhum momento falei sobre golpe”, disse ainda. Os congressistas não gostaram da versão. O deputado Rogério Correia (PT-MG) dirigiu-se a Lawand para lembrar a ele que Bolsonaro “está sendo julgado (no TSE) por atentado contra a democracia”.

Para o deputado, com essa desculpa, o depoente na verdade culpa o ex-presidente pelo que aconteceu nos dias 12 (quando houve quebra-quebra em Brasília) e 24 de Dezembro (tentativa fracassada de atentado a bomba) e no 8 de janeiro. “Tudo isso porque o presidente não deu ordem pra apaziguar o país”, ironizou Correia. “O senhor está vendo que o peixe morre pela boca?”, questionou. “O senhor está mentindo.”

Embora parlamentares tenham defendido que fosse dada voz de prisão ao militar por mentir à CPMI, o presidente da comissão, deputado Arthur Maia (União-BA), afirmou a jornalistas, depois de encerrar a sessão, que é um legalista.

“Uma coisa é o depoente chegar aí e dizer: ‘eu não estava na Praça dos Três poderes no 8 de janeiro’, e em seguida aparecer um vídeo em que inequivocamente ele está lá na praça. Outra coisa é interpretar aquilo que ele disse. Eu achei a história inverossímil, mas não posso garantir que se trata de uma mentira”, explicou Maia.

Em uma das mensagens recuperadas na investigação da Polícia Federal, Lawand Júnior é claro no que diz. “Cid, pelo amor de Deus, o homem tem que dar a ordem! Se a cúpula do Exército não está com ele, de divisão pra baixo está. Assessore e dê-lhe coragem. Pelo amor de Deus”, pedia o coronel do Exército.

Anteprojeto previa GLO

Correia lembrou que o celular de Cid tinha um anteprojeto que previa adoção de garantia da lei e da ordem (GLO), e que a PF afirmou que os telefones de aliados de Bolsonaro evidenciavam plano de golpe e prisão do ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE e membro do STF.

Tais mensagens estavam nos aparelhos telefônicos de Lawand, do ex-major do Exército Ailton Barros e do coronel Elcio Franco. Bolsonaro não deu a ordem para consumar o golpe “não porque fosse um democrata, mas porque não confiava no comando das Forças Armadas”, disse Correia.

“Entregamos o país aos bandidos”

Em sua inquirição, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) comentou que Lawand Júnior “pode não ter tido força (para liderar um golpe), mas tentou”. Ela questionou o coronel sobre a expressão usada por ele dizendo que “entregamos o país aos bandidos”. “Quem são os bandidos?”, perguntou a parlamentar.

Lawand desconversou. “Essa mensagem foi genérica, não me referi a ninguém.”  A deputada acrescentou que não só Bolsonaro não tinha apoio no Alto Comando, mas também não contava com apoio internacional, como evidenciou reportagem do jornal britânico Financial Times.

Segundo a matéria, intitulada “A discreta campanha dos EUA para defender a eleição no Brasil”, os Estados Unidos pressionaram líderes políticos e militares brasileiros para que respeitassem a democracia e o resultado das eleições.

“Golpe foi dado dia 8”

O senador Veneziano Vital do Rêgo afirmou que o país só não foi para “uma situação pior porque o Alto Comando das Forças não se permitiu concordar com o que estava sendo tramado dentro do Palácio da Alvorada e do Planalto”.

A senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), autora do pedido da CPMI, usou ironia. “É assim que muitos começam, com Deus, pátria, família”, afirmou. Desmentindo o bolsonaristas, segundo os quais não houve golpe porque não havia armas no 8 de janeiro, Soraya disse que em 12 e 24 de janeiro o golpe foi tentado, mas “no 8 de janeiro foi consumado, porque o primeiro ato de um golpe de Estado é a tomada dos poderes, e os poderes foram tomados no dia 8”.

“Foi coincidência”

Antes, ao abrir os questionamentos, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) perguntou ao militar se não era significativo que criminosos tenham armado uma bomba perto do aeroporto de Brasília e atacado a capital no dia 8, após as mensagens trocadas entre ele e Mauro Cid.

“Acho que foi coincidência. Eu não tinha como influenciar o povo. Eu não tinha motivação, capacidade ou força para fazer qualquer atentado ou motivar as pessoas a fazê-lo. Foi uma coincidência”, desconversou.

Leia também: