Mensalão

‘Não foi o maior escândalo, mas o mais investigado’, diz novo juiz do STF

Ministro Luís Roberto Barroso diz que corrupção é 'tradição que vem de longe' e que julgamento terá sido em vão se não mudar o sistema eleitoral, onde 'dinheiro tem papel central'

Fellipe Sampaio/SCO/STF

Para o ministro Barroso, sistema eleitoral e partidário dificulta formação de maiorias políticas estáveis

Brasília – A primeira sessão para julgamento dos recursos da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) não teve como destaque a discussão sobre serem possíveis ou não os embargos infringentes, que podem mudar a história do julgamento escrita no ano passado. Também não foi marcada por discussões sobre troca do atual relator, ministro Joaquim Barbosa, que inclusive permanecerá na relatoria dos trabalhos, tampouco chamou a atenção dos presentes para o único voto divergente do dia, o do ministro Marco Aurélio Mello. A figura mais observada foi o ministro Luís Roberto Barroso, que participou pela primeira vez do julgamento.

Barroso iniciou as atividades enfatizando que o mensalão não deve ser considerado o maior escândalo de corrupção de todos os tempos “e sim, o mais investigado”.

“Não se deve fechar os olhos para que o mensalão não constituiu um fato isolado na política nacional. Ao contrário, ele se insere em uma tradição lamentável, que vem de longe”, acentuou o ministro. Empossado há pouco mais de um mês, ele já tinha dito, durante a sabatina por que passou no Senado, que o julgamento da AP 470, a seu ver, tinha sido “um ponto fora da curva”, irritando alguns dos seus futuros colegas no STF.

Roberto Barroso destacou, ainda, na fala de hoje, que a corrupção não pode ser politizada e as recentes manifestações observadas no país são “reflexo da incapacidade da política institucional para vocalizar os anseios da sociedade”. “Não existe corrupção do PT, PSDB ou do PMDB, existe corrupção. A corrupção não é ‘nossa’ ou ‘deles’, é um mal em si e não pode ser politizada.”

Trechos da intervenção de Barroso

“A sociedade brasileira está exausta do modo como se faz política no país. A catarse representada pelo julgamento da Ação Penal 470 é um dos muitos sinais visíveis dessa fadiga institucional. Sintonizado com esse sentimento, o julgamento desta ação pelo Supremo Tribunal Federal, mais do que a condenação de pessoas, significou a condenação de um modelo político, aí incluídos o sistema eleitoral e o sistema partidário…

“As principais características negativas do modelo político brasileiro são: (i) papel central do dinheiro, como consequência do custo astronômico das campanhas; (ii) a irrelevância programática dos partidos, que funcionam como rótulos vazios para candidaturas, bem como para a obtenção de recursos do fundo partidário e uso do tempo de televisão; e (iii) um sistema eleitoral e partidário que dificulta a formação de maiorias políticas estáveis, impondo negociações caso a caso a cada votação importante no Congresso Nacional…

“A conclusão a que se chega, inevitavelmente, é que a imensa energia jurisdicional dispendida no julgamento da AP 470 terá sido em vão se não forem tomadas providências urgentes de reforma do modelo político, tanto do sistema eleitoral quanto do sistema partidário. Após o início do inquérito que resultou na AP 470 – com toda a sua divulgação, cobertura e cobrança –, já tornaram a ocorrer incontáveis casos de criminalidade associada à maldição do financiamento eleitoral, à farra das legendas de aluguel e às negociações para formação de maiorias políticas que assegurem a governabilidade.

Corretora Natimar

Os ministros decidiram rejeitar embargo de declaração (um dos tipos de recurso) apresentado pela defesa de Carlos Alberto Quaglia, dono da corretora Natimar, e citado na AP 470. Mas concederam habeas corpus de ofício para absolver Quaglia quanto à acusação de formação de quadrilha. Quaglia não foi réu no tribunal porque seu caso correu na 1ª instância, mas ele recorreu da sentença junto ao STF para retirar a acusação que lhe foi imposta por tipificação nesse tipo de crime.

Os ministros concederam habeas corpus de ofício para absolver Quaglia quanto à formação de quadrilha e decidiram determinar a baixa do processo contra ele para julgamento pela 1ª instância. A defesa tinha solicitado que fosse para 1ª instância apenas a denúncia quanto ao crime de lavagem de dinheiro e que fosse retirada a tipificação ao seu caso de formação de quadrilha, pelo fato de que corréus acusados pelo mesmo crime foram absolvidos.

Na sessão plena, também foi negado pedido para que os embargos fossem redistribuídos para um novo relator e para desmembramento do processo quanto a réus sem foro privilegiado – os que não são parlamentares. Além disso, não foram acolhidos os embargos que pediram a revisão das decisões com o argumento de ter havido supressão, no texto do acórdão, de manifestações feitas por ministros no julgamento.

Na parte final dos trabalhos, foram rejeitados recursos de outros quatro réus: Emerson Palmieri – ex-primeiro-secretário do PTB; deputado Waldemar Costa Neto (PR-SP) – ex-tesoureiro do PL; Jacinto Lamas e o ex-deputado do PMDB José Borba.

Pontos comuns

A Corte rejeitou, ainda, embargos apresentados por três outros motivos: um deles pedia para que o voto do ministro Carlos Ayres Britto na primeira etapa do julgamento passasse a ser considerado nulo. Britto se manifestou quanto ao mérito mas se aposentou em novembro antes de apresentar a dosimetria de todas as penas (cálculo dos anos da pena a ser cumprida).

Num segundo caso, o pedido foi para ser observado o fato de o acórdão ter suprimido algumas declarações feitas pelos ministros durante as sessões. E, por fim, foi contestada a utilização, no julgamento, de metodologia diferente pelo STF (que levou em conta a teoria do domínio do fato e a validade de atos de ofício) – o conceito de que a suposta força das evidências dispensa a obtenção de prova por parte do acusador.

Todos os ministros seguiram o relator Joaquim Barbosa, com exceção de um único voto divergente, apresentado pelo Ministro Marco Aurélio Mello. Mello concordou com a possibilidade de os processos de réus sem foro privilegiado retornarem para a primeira instância e considerou que a supressão de trechos do acórdão referentes a colocações feitas por ele e pelos ministros Luiz Fux prejudicou o entendimento do acórdão. Uma vez avaliados os pontos em comum apresentados nos embargos, os ministros vão avaliar os recursos separadamente, caso a caso.

Embargos infringentes

O julgamento foi iniciado em clima de grande expectativa, sobretudo quanto ao entendimento a ser adotado pelo STF sobre ser possível ou não o julgamento dos embargos infringentes. São tais embargos que vão permitir a realização de um novo julgamento com definição de mudanças de penas e de tipificação de crime para os réus.

Na entrada para a sessão, o ministro Gilmar Mendes, ex-presidente do tribunal e declaradamente contra esse tipo de recurso, colocou  água na fervura ao dizer que não considerava os recursos da AP 470 pertinentes e que, em sua opinião, tais peças jurídicas tinham caráter “protelatório”.

A sessão teve um desfalque: o do ministro Teori Zavascki. Um dos mais novos integrantes da Corte empossados, assim como Luiz Roberto Barroso, Zavascki está licenciado em razão da morte de sus mulher e só retoma ao tribunal na próxima semana. O STF retoma nesta quinta (15) a análise dos 26 embargos declaratórios.

Leia também

Últimas notícias