CPMI do 8/01

Anderson Torres nega omissão e diz que não havia informações sobre ataque golpista

A relatora da comissão, senadora Eliziane Gama, se apresentou despreparada para inquirir o ex-secretário de Segurança que viajou dois dias antes do ataque golpista

Geraldo Magela/Agência Senado
Geraldo Magela/Agência Senado
Contra todas as evidências apuradas até aqui pela PF, MPF e CPMI, Anderson Torres mantem a estratégia de negar tudo

São Paulo – No depoimento que presta à CPMI dos atos golpistas nesta terça-feira (8), o ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, Anderson Torres, adotou a estratégia de negar tudo e refutar que sabia de atos violentos programados por hordas bolsonaristas. Segundo ele, até o dia em que viajou de férias para a Flórida em 6 de janeiro, dois dias antes do ataque, não havia informações de que a invasão da Praça dos Três Poderes ocorreria.

Em 8 de janeiro, Torres era secretário de Segurança Pública do governo Ibaneis Rocha no Distrito Federal havia apenas seis dias. Na inquirição que dirigiu ao depoente, a relatora da comissão, Eliziane Gama, (PSD-MA) quis saber sobre a minuta golpista achada na casa do ex-secretário pela Polícia Federal.

A senadora citou trecho de documento da Procuradoria-Geral da República, segundo a qual a minuta que traçava todas as etapas de um golpe de Estado, que culminaria na intervenção do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), estava bem acondicionada. “Não se trata de documento que seria jogado fora”, leu Eliziane. “Estava muito bem guardada em pasta do governo federal, junto a fotos de família, imagens religiosas…”

Ao responder questão sobre a origem de tal minuta, Torres repetiu o que já disse à PF. Afirmou que é um documento “Teratológico (anômalo), absurdo”, e desmentiu que estivesse guardado cuidadosamente. Classificou o papel como “fantasioso” e afirmou não ter conversado sobre isso “com ninguém”, e que “estava pronto para ir pro lixo”.

Contra todas as evidências apuradas até aqui pela Polícia Federal, Ministério Público Federal e, em menor escala, pela própria CPMI, Anderson Torres manteve a estratégia de negar. Mas contou com uma relatora despreparada para rebater suas negativas.

A noite do 12 de dezembro

Apenas no fim de sua fala Eliziane adotou postura mais assertiva. Ela lembrou que, na noite de 12 de dezembro, horas depois da diplomação do eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando houve depredação na capital do país e tentativa de invadir a sede da PF, nem uma pessoa sequer foi presa em flagrante. Naquela noite, Anderson Torres jantava tranquilamente na capital, enquanto dezenas de pessoas promoviam baderna, queimavam ônibus e espalhavam botijões de gás pala capital, em ameaça claramente terrorista.

Eliziane observou que havia um “cenário conflagrado e nenhuma ação foi feita”. Segundo ela, com informações “que chegarem à CPMI, e estão chegando, chegaremos aos responsáveis”, prometeu, no encerramento de sua fala e as perguntas.

Antes, ao longo de sua inquirição, Eliziane ouviu passivamente respostas bem elaboradas pelos advogados de Torres, embora eventualmente mentirosas ou irônicas, sem contra-argumentos convincentes. Assessores cochivavam no ouvido da relatora a todo momento.

Da PRF ao 8 de janeiro

Ainda sobre o período do processo eleitoral, quando ainda era ministro da Justiça, a respeito da ação da Polícia Rodoviária Federal de promover fiscalizações em estados em que o então candidato Lula havia ganhado de Jair Bolsonaro (PL) Torres respondeu, sem ser contestado, que o procedimento da PRF foi “padrão”, como no primeiro turno.

Em relação aos atos do 8 de janeiro, Torres afirmou que não havia indícios de chegada de ônibus com manifestantes, mas afirmou que havia um plano para evitar eventuais ataques. Deram-se, na inquirição da senadora, vários diálogos em que ela se manteve passiva ante as respostas.

– O erro em relação à não execução do plano de ação integrada, o senhor deposita (sic) exatamente onde? – questionou Eliziane

– Eu acho que isso é o que deve ser apurado, senadora. Eu sei que a secretaria (de Segurança Pública, chefiada por Torres) fez a parte dela.

A relatora quis saber se a secretaria “fez a parte dela” enviando efetivo policial suficiente.

– Senadora, isso não é atribuição da secretaria, como eu disse à senhora. O efetivo, se vai o choque, se vai o Bope, se vai canil, se vai helicóptero, tudo isso é trabalho da PM do Distrito Federal. A secretaria, como eu disse, e é importante entender, a secretaria daqui não opera. A senhora nunca vai passar na rua e ver uma blitz da Secretaria se Segurança. Ou é da Polícia Civil ou da PM – explicou Torres.

“A senhora está correta”

Eliziane então fez longo discurso para dizer que a CPMI constata que os depoentes usam a tática de “um empurrar a responsabilidade pro outro”, e no fim não há responsáveis. “Nós vimos milhares de pessoas subindo a rampa e o efetivo de militares muito pequeno (…) e a PM do DF e tem a responsabilidade de fazer serviço (policiamento) ostensivo (…). E o efetivo direcionado foi abaixo do que deveria ocorrer para conter a ação dos manifestantes”, discorreu a senadora.

– A senhora está correta, corretíssima. O plano estava aqui – respondeu Torres impassível. Ele mostrou um documento e acrescentou: “Estava feito (o plano de ação). Daí em diante era cada instituição fazer seu planejamento interno, devolver isso para a secretaria e operar no dia do trabalho.

– A coronel Cintia, então, é que tinha responsabilidade de fazer esse planejamento? Digamos então que ela falhou em relação a esse direcionamento de atribuições? – retrucou a relatora.

– Negativo. Ela fez o planejamento. Eu validei esse planejamento, que está aqui comigo. Se a senhora não tem, posso até deixar uma cópia com a senhora – disse Anderson Torres (em abril, a coronel Cíntia Queiroz de Castro, da PM-DF, declarou que o efetivo policial foi reduzido pela metade).

– Claro. Na verdade eu devo ter, mas o senhor pode deixar – sugeriu Eliziane.

– Eu gostaria de deixar porque eu tenho certeza absoluta, senadora, que se a senhora ler vai entender o que estou falando. Se isso aqui tivesse sido cumprido à risca, o 8 de janeiro não teria ocorrido.


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