Elite da vergonha

Empresários pedem mais benesses a Guedes e Bolsonaro. ‘CNI sempre foi bolsonarista’, diz economista

Indiferente à crise, ministro diz que a desindustrialização não tem a ver com a gestão dele. Na semana passada, havia declarado que país está “decolando de novo”

Reprodução/Youtube
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Presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, Bolsonaro e Paulo Guedes: o que menos importa é a indústria

São Paulo – O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o chefe do governo, Jair Bolsonaro, receberam ontem (7) do presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, documento com 44 propostas para supostamente incentivar “a retomada da indústria e do emprego em 2022”, segundo a entidade. A reforma tributária, a instituição de um programa de parcelamento de débitos com a União, o ressarcimento de saldos credores de tributos federais e mais prazo para pagamento de impostos estão entre os pedidos dirigidos ao governo.

O presidente da CNI defendeu a reforma administrativa como “fundamental” para a modernização do Estado, proporcionando, segundo ele, controle da “expansão dos gastos com pessoal” e otimização da “qualidade dos serviços prestados à população”.

Mentiras e riscos são as marcas da reforma administrativa de Bolsonaro

A proposta da entidade para uma reforma tributária “ampla” deve priorizar a simplificação do sistema de arrecadação do governo, redução da cumulatividade e desoneração dos investimentos e das exportações. Nada de progressividade. Ou seja, o conceito segundo o qual quem tem mais deve pagar mais impostos passa longe do que quer a CNI.

“Armadilha do crescimento zero”

No evento, o ministro Paulo Guedes, o “posto Ipiranga” do governo Bolsonaro , atribuiu os problemas econômicos a erros do passado. Disse que o país é prisioneiro de uma “armadilha de crescimento zero”, consequência, segundo ele, das políticas econômicas de décadas passadas. “O Brasil foi desindustrializado ao longo dos últimos 20, 30 anos. É uma longa história de um modelo que deu errado e foi aterrissando até parar”, analisou.

Guedes, que além de ser egresso do sistema financeiro e gostar de metáforas aeronáuticas, disse na quinta-feira (2), mesmo dia em que o IBGE anunciou encolhimento de 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre, que o Brasil está “decolando de novo”.

Já Bolsonaro falou aos industriais no evento da CNI como se conversasse com seus seguidores no cercadinho. “Estamos trabalhando agora com a Anvisa, que quer fechar o espaço aéreo. De novo, porra? De novo vai começar esse negócio?”, protestou, numa descarada mentira sobre a recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária de pedir passaporte vacinal a estrangeiros que queiram viajar ao Brasil.

A  intenção da agência, na verdade, está longe de “fechar o espaço aéreo”. É, ao contrário, incentivar o turismo ao país, desde que com garantias de segurança à população brasileira diante da ameaça da nova variante ômicron do Sars-Cov2. Mas o governo, há muito já considerado “genocida”, contrariou a Anvisa nesta terça e liberou os estrangeiros do passaporte da vacina.

O mundo encantado de Guedes

Num cenário de desemprego altíssimo, aumento dramático da pobreza, inflação ascendente e desindustrialização, o que leva a CNI a essa aliança interminável com Bolsonaro? O que leva Guedes a manifestar esse otimismo de um mundo encantado? Para o economista Guilherme Mello, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na verdade o ministro nunca pensou numa política para a indústria nacional.

“A aposta desse pessoal sempre foi investimento privado e estrangeiro. Para eles, indústria é só um detalhe. Quando vão a uma reunião na CNI – que aliás sempre foi bolsonarista – a gente tem que entender que esses empresários são na maioria importadores, interessados em comprar insumo barato para vender no mercado interno”, diz. Para esses empresários, a inovação industrial e o crescimento pouco importam.

O país não cresce, mas as  empresas que sobrevivem à sucessão de crises têm rentabilidade altíssima. “E eles vendem para o que restou do mercado, basicamente voltado às classes mais altas.” Um exemplo é o da indústria automotiva, que não oferece mais carros populares: o automóvel mais barato atualmente custa em média R$ 50 mil. “Para isso, o Plano Temer-Bolsonaro funcionou, para restringir o mercado”, diz Mello.

Na CNI, Bolsonaro chegou ao ponto de criticar o combate ao trabalho escravo feito pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), dizendo que as normas regulamentadoras fazem com que seja “difícil ser um grande empresário”. “O Marinho (Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional) fez uma limpa naquilo. A altura da pia, a maciez do papel higiênico, tudo isso era motivo de multa”, disse o presidente do país, desfiando mais um leque de mentiras e desinformação.

Bolsonaro e a lúmpen-burguesia

Claro que os empresários ligados à CNI não mantêm trabalho análogo ao escravo, observa Guilherme Mello. “Obviamente Bolsonaro falava para o pessoal dele, a lúmpen-burguesia: o garimpeiro, o grileiro, o posseiro.”

Seja como for, uma fala como essa na CNI não constrange esses empresários?  “Nossa elite é horrorosa, já dizia Darci Ribeiro. E a CNI talvez seja a melhor representação disso”, afirma o professor da Unicamp. Se não é mentira de Paulo Guedes que a desindustrialização já vinha de muito antes de sua gestão, também é verdade que o governo não só não faz nada para reverter o quadro de colapso da indústria do país, como, na prática, o incentiva.