Pandora Papers

‘Jornal Nacional’ ignora contas de Guedes e Campos Neto em paraísos fiscais

“JN no País das Maravilhas” omitiu dos espectadores o escândalo financeiro mundial que atingiu o ministro da Economia e o presidente do Banco Central

Reprodução/@JornalNacional
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Willian Bonner e Renata Vasconcellos preferiram tratar da interrupção das redes sociais controladas pelo Facebook, não fazendo qualquer menção aos Pandora Papers

São Paulo – No último domingo (3), 151 veículos de comunicação em mais de uma centena de países revelaram que líderes mundiais, empresários e celebridades mantêm contas em paraísos fiscais. Liderados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), os Panamá Papers foram publicados no Brasil pela Agência Pública, revista Piauí e os sites do Poder360 e Metrópoles. Por aqui, o destaque principal ficou por conta da divulgação das offshores em nome do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Além disso, acionistas de 20 das 500 maiores empresas brasileiras também aparecem no vazamento. É o caso dos sócios da Prevent Senior e do empresário Luciano Hang. Este último escondeu por 17 anos os recursos mantidos no exterior.

Em função dos métodos revelados e da importância dos personagens envolvidos, os documentos do Pandora Papers repercutiram por toda a imprensa ao redor do mundo. No Brasil, contudo, veículos da mídia tradicional minimizaram o vazamento. Mais do que isso, o Jornal Nacional, da TV Globo, simplesmente fingiu que não viu. Na edição desta segunda-feira (4) não houve nenhuma menção sequer ao escândalo.

De acordo com a jornalista Eliara Santana, doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), foi uma “edição vergonhosa” do noticioso global. A intenção, segundo ela, foi esconder “descaradamente” o fato de que Guedes tem uma offshore num paraíso fiscal.

Blindagem

Há anos, no Boletim do JN, publicado em seu site, Eliara tem como objeto de estudo as edições do principal jornal televisivo do país. Na sua análise mais recente, destacou que o Jornal Nacional apresentou “um monte de pautas geladas pra silenciar a pauta quente do dia”. Também classificou como “absolutamente inaceitável e indecorosa” a blindagem ao ministro oferecida pela emissora carioca. Para ela, “parecia um folhetim mirabolante, algo do tipo ‘JN no País das Maravilhas'”.

Ela questionou as informações sonegadas ao espectador: “Esconder dos telespectadores a informação de que as decisões do ministro da Economia afetam seus negócios no paraíso fiscal? Esconder que o artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal proíbe que funcionários do alto escalão mantenham aplicações financeiras passíveis de serem afetadas por políticas governamentais? Esconder que Paulo Guedes pode ter lucrado muito com a alta do dólar?”

Papelão

Em dois dos principais jornais do país, a Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, o Pandora Papers também teve destaque reduzido. Na Folha, a capa da edição de ontem (4) dedicou apenas uma nota curta sobre a apuração das contas em paraísos fiscais. Nenhuma menção a Guedes e Campos Neto, nem tampouco aos empresários brasileiros envolvidos no esquema. Já no Estadão, a notícia foi parar no rodapé da primeira página, também sem citar o envolvimento dos políticos e empresários nacionais.

De acordo com o economista Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), mais grave do que o envolvimento individual desses personagens é o fato que representantes dessa elite financeira controlam os rumos da política econômica brasileira. Dessa forma, as decisões tomadas por Guedes e Campos Neto, no âmbito das políticas fiscal, tributária e monetária, vão no sentido de garantir benefícios aos integrantes dessa elite.

Nesse sentido, o que explica o “silêncio” da mídia tradicional é que são os integrantes dessa mesma “plutocracia” que “dão as cartas” nesses jornais. “O problema é a condução da política econômica por uma elite financeira que movimenta seus recursos em paraísos fiscais no exterior. É isso que a imprensa está ocultando”, afirmou em entrevista ao Jornal Brasil Atual.

Bolsonaristas em silêncio

O consultor de monitoramento de redes sociais Paulo Barciela analisou a repercussão do caso envolvendo Paulo Guedes no mundo virtual. Ele citou um grande volume de menções nas redes sociais desde a revelação do escândalo na noite de domingo (3). No entanto, citou o “silêncio contrangedor” de dois “clusters” (agrupamentos) do universo digital.

Além de “parte significativa” da imprensa tradicional, os bolsonaristas também se calaram sobre o tema. De acordo com o especialista, apenas 4.3% dos usuários que se manifestaram sobre o episódio são apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.