Lutas e Lágrimas

Livro relata embates da civilização contra a barbárie no Brasil em 2018

Mário Magalhães traz a sua visão sobre o turbilhão de fatos ocorridos em 2018, o ano que "tão cedo não vai acabar"

Paulo Pinto/Psol/Reprodução
Paulo Pinto/Psol/Reprodução
Bolsonaro, Lula e Marielle foram protagonista do ano que "foi dificil viver"

São Paulo – Quando a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram executados, na noite de 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro, o jornalista Mário Magalhães já havia se dado conta que “2018 não seria um ano como outro qualquer”. O estado estava sob intervenção militar decretada pelo então presidente Michel Temer, retratado na Sapucaí como “vampirão” pela escola de samba Paraíso da Tuiuti. Menos de um mês depois da morte de Marielle, era decretada a prisão política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fator que seria “decisivo” para a vitória de Jair Bolsonaro (PSL), no segundo turno das eleições presidenciais.

Assim como em 13 de dezembro 1968, quando o presidente militar Artur da Costa e Silva assina o AI-5, fechando o Congresso, cassando parlamentares, escancarando a ditadura iniciada quatro anos antes, eternizado no livro 1968 – O Ano que não Terminou, do também jornalista Zuenir Ventura, 2018 será um ano que “tão cedo não vai terminar”, com repercussões na política, na economia e nos costumes que terão ainda repercussões por anos e décadas.  O ano fatídico é tema do livro Sobre Lutas e Lágrimas – Um Biografia de 2018 (Record), lançado neste mês pelo jornalista. Ao contrário do clássico de Zuenir – o quem Mário presta homenagens–, que publicou a sua obra 20 anos depois dos eventos retratados, seu relato foi escrito “a quente”.

Apesar da rememoração da sucessão de fatos negativos para os entusiastas do processo civilizatório, Magalhães diz que o livro retrata não apenas o avanço das forças do retrocesso, mas conta a história da tragicomédia brasileira, combinando o lírico com o épico, até mesmo com pegadas de humor. Os risos ficam por conta das piadas que ganharam o mundo com as quedas de Neymar, que rolava pelos campos da Copa do Mundo da Rússia. Ou ainda pelas declarações do autointitulado “filósofo” Olavo de Carvalho, “alguém que não se pode levar a sério”.

“É um livro que combina os triunfos dos partidários da barbárie, mas também as lutas dos defensores da civilização. É por isso que o livro é, em muitas partes, emocionante. Não pelo relato, que é uma narrativa jornalística clássica, mas são eventos que, quem viveu, jamais vai esquecer”, conta Mário, que também escreveu Mariguella – O Guerrilheiro Que Incendiou o Mundo (Companhia das Letras).

Sintomas

Outro sintoma do ano atípico, segundo Mário, se deu ainda em janeiro, quando populações de diversas cidades brasileiras, principalmente aquelas com forte presença de áreas verdes, saíram às ruas para matar macacos que supostamente seriam transmissores da febre amarela. Não apenas não contaminam os humanos, como atuam como “sentinelas”, pois a detecção da morte do animal serve como alerta para a proliferação da doença transmitida por mosquitos. Ao mesmo tempo, muitos também se recusavam a tomar a vacina, baseados em teorias conspiratórias de o antídoto levaria ao adoecimento.

“Esses dois fenômenos, a brutalidade contra os macacos e a ignorância da recusa da vacina, indicavam alguma coisa”, já era um dos sintomas de uma doença muito maior que atacava a toda sociedade. Outra “figura-síntese” do ano, segundo Mário, é o médico que ficou conhecido como “Doutor Bumbum”. Apoiador do discurso de extrema-direita que diz que “bandido bom é bandido morto”, ele preso por realizar procedimentos estético ilegal que levou uma paciente à morte.

Suicídio

Ele também diz que Sobre Lutas e Lágrimas “recusa” a história oficial dos ganhadores da eleição. “Não fica em cima do muro, e recusa eufemismos das ideias que proliferaram no Brasil de 2018. Ideias aparentadas com o ideário nazifascista, da década de 1930, que são descritas como devem ser. Daqui há décadas, quem quiser conhecer o que foi um olhar sobre o ano de 2018, feito no desenrolar dos acontecimentos, no olho do furacão, o livro vai ser instrumento para isso”, explica o autor.

Mário afirma que a vitória de Bolsonaro não pode ser encarada como “algo natural”, e diz que um dos fatos que mais o impressionaram foi o tratamento “equivalente” dispensado pela imprensa tradicional, que tratou o agora presidente e o seu adversário no segundo turno, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), ambos como “extremistas”. “É uma fraude intelectual. Bolsonaro é, de fato, um extremista. Um homem que defende a tortura. Já o Haddad, até mesmo para os parâmetros históricos da esquerda, está muito longe de ser um radical. Essa naturalização do Bolsonaro é um suicídio para o país. A vitória das suas ideias não pode ser encarado como algo natural. Quanto mais ele conseguir aplicar a agenda dele, transformando-as em realidade, pior para o Brasil e para o que ainda resta de democracia.”

 

 

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