Golpe no golpe

Triunfo da linha-dura, AI-5 completa 45 anos com apenas três ‘sobreviventes’

Rondon Pacheco, chefe do Gabinete Civil, Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho e da Previdência Social, e Delfim Netto, ministro da Fazenda, são os remanescentes do grupo que recrudesceu regime

Folhapress

Costa e Silva preside reunião que resultou no AI-5. Para Médici, antecessor foi ‘tolerante até demais’

São Paulo – Foi também numa sexta-feira 13, como hoje, que 24 integrantes do governo reuniram-se no Palácio Laranjeiras, no Rio de Janeiro, para dali tirar o instrumento que seria posteriormente chamado de “golpe dentro do golpe”, uma vitória da linha-dura para combater a “subversão” no país. No final da tarde, início da noite, o ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, anunciava o Ato Institucional número 5, o AI-5, iniciando o período mais duro do regime – o ato só seria revogado dez anos depois, como parte do processo de abertura política, que incluía ainda a contestada Lei de Anistia, em 1979.

Gama e Silva fez duas versões, a primeira ainda mais severa do que a aprovada. No livro 1968 – O Ano que não Terminou, o jornalista Zuenir Ventura conta que por essa ânsia o ministro recebeu comentário bem-humorado de seu colega do Exército, general Lyra Tavares: “Assim, não, Gama; assim você desarruma a casa toda”. O chefe da pasta da Justiça já tinha sido um dos principais defensores da cassação do mandato do deputado Márcio Moreira Alves, negada pela Câmara. Foi um dos pretextos do AI-5.

A casa foi definitivamente desarrumada após aquela reunião. Fim das liberdades individuais, cassações de mandatos parlamentares (a primeira lista sairia ainda em dezembro), censura nas artes e nas comunicações, recrudescimento da tortura.

Dos 24 participantes, três estão vivos: Rondon Pacheco, então chefe do Gabinete Civil, Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho e da Previdência Social, e Delfim Netto, ministro da Fazenda. Dos 17 nomes que assinam a medida, só os dois últimos.

Destes, recordam-se frases de impacto. Passarinho, por exemplo, mandou “às favas todos os escrúpulos de consciência”. E Delfim chegou a declarar, conforme consta na ata da reunião do Conselho de Segurança Nacional, que a proposta em análise não era suficiente. “Eu acredito que deveríamos atentar e deveríamos dar a Vossa Excelência, ao presidente da República, a possibilidade de realizar certas mudanças constitucionais, que são absolutamente necessárias para que este país possa realizar o seu desenvolvimento com maior rapidez.”

À frente do Serviço Nacional de Informações (SNI), o futuro presidente Emílio Garrastazu Médici achou a medida até tardia, porque a “contra-revolução” estava nas ruas. “Acredito, senhor presidente, que com sua formação democrática, foi Vossa Excelência tolerante por demais”, declarou ao colega de farda e ocupante de plantão da Presidência da República, Arthur da Costa e Silva, que morreria um ano depois.

Reportagem publicada hoje (13) pelo site Opera Mundi, assinada por Vitor Sion, afirma que a discussão interna no governo sobre a necessidade de medidas repressivas mais fortes já era feita pelo menos desde julho. “O país vivia, desde a morte do estudante Edson Luís, no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, em março, uma grande onda de manifestações, que ao mesmo tempo se antecipou e se alimentou do mítico Maio de 1968 francês”, diz o texto, citando duas reuniões do conselho, em 11 e 16 de julho, para analisar uma medida que teria como objetivos “interferir na cobertura da imprensa e conter a subversão”.

Ainda demoraria um pouco. Mas o político mineiro e banqueiro Magalhães Pinto, ex-governador e então ministro das Relações Exteriores, não teve dúvida sobre o que acontecia naquele 13 de dezembro. “Eu também confesso, como o vice-presidente da República (referindo-se a Pedro Aleixo), que realmente com este ato nós estamos instituindo uma ditadura.”

O almirante Augusto Rademaker, ministro da Marinha, pedia: “Eu julgo que por essa situação o que se tem que fazer é realmente uma repressão, acabar com estas situações que podem levar o país, não a uma crise, mas a um caos que não sairemos”.

Nos 45 anos do AI-5, uma escola estadual em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, muda de nome. Sai o do presidente Costa e Silva, entra o do artista, poeta e militante do movimento negro Abdias Nascimento. A cerimônia estava prevista para a tarde de hoje, e atendia a um pedido da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro. Em Salvador, o nome de outra escola pública deve ser alterado, com Carlos Marighella no lugar de Médici.

Quem assinou o AI-5*

* Arthur da Costa e Silva

General, presidente da República em 1968. Morreu em 17 de dezembro de 1969, meses depois de sofrer um derrame

* Luís Antônio de Gama e Silva

Ministro da Justiça e um dos idealizador do ato. Morreu em 2 de fevereiro de 1979

*Augusto Hamann Rademaker Grünewald

Almirante, ministro da Marinha. Morreu em 13 de setembro de 1985

* Aurélio de Lyra Tavares

General, ministro do Exército. Morreu em 18 de novembro de 1998

* José de Magalhães Pinto

Ex-governador de Minas Gerais, era ministro das Relações Exteriores. Morreu em 6 de março de 1996

* Delfim Netto

Ministro da Fazenda

* Mário Andreazza

Ministro dos Transportes. Morreu em 19 de abril de 1988

* Ivo Arzua Pereira

Ministro da Agricultura, morreu em 9 de setembro de 2012

* Tarso Dutra

Ministro da Educação. Morto em 5 de maio de 1983

* Jarbas Passarinho

Ministro do Trabalho e da Previdência Social

* Márcio de Souza e Mello

Marechal, ministro da Aeronáutica. Morreu em 31 de janeiro de 1991

* Leonel Miranda

Ministro da Saúde, morreu em 14 de abril de 1986

* José Costa Cavalcanti

Ministro de Minas e Energia. Morreu em 10 de agosto de 1991

* Edmundo de Macedo Soares

General, ministro da Indústria e Comércio. Morreu em 10 de agosto de 1989

* Affonso Albuquerque Lima

General, ministro do Interior. Morreu em 26 de abril de 1981

* Carlos Simas

Ministro das Comunicações, morto em 28 de junho de 1978

* Na ordem de assinaturas publicada no Diário Oficial


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