CENÁRIO DE VAIDADES

Parlamentares eleitos medem forças na disputa por gabinetes

Tema marcado por regras e exceções, gabinetes atraem as vaidades. Uns querem salas que já foram de parentes políticos, outros, locais reformados recentemente ou que pertenceram a lideranças históricas

Arquivo / Câmara Federal

Anexo IV tem andares que acomodam bancadas inteiras, como o quarto pavimento que concentra o Pernambuco

Brasília – As disputas políticas ficaram de lado e cederam lugar à corrida da ocupação de gabinetes. Assim são as duas casas legislativas do Congresso Nacional, em Brasília, às vésperas da posse do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), e em  preparação para receber os novos deputados e senadores a partir de 1º de fevereiro de 2019. Até lá, a fogueira das vaidades deve arder, mas nada que deixe sequelas, afinal, há mais facilidades do que dificuldades, como os R$ 33,7 mil pagos a cada um para o chamado “auxílio-mudança”.

No total, está previsto um gasto de aproximadamente R$ 20 milhões para este benefício aos parlamentares da Câmara e do Senado, mesmo no caso dos oito senadores e 270 deputados que foram reeleitos, dos quatro senadores que apenas vão migrar para a Câmara e os 16 deputados que apenas vão migrar para o Senado.

Na Câmara, a disputa tradicionalmente se dá por sorteio, mas são grandes as exceções que permitem aos deputados um “jeitinho” na escolha por esses espaços. Já no Senado, a decisão final cabe ao atual presidente, o senador Eunício Oliveira (MDB-CE), que tem recebido quantidade imensa de pedidos, sobretudo de parlamentares que assumem pela primeira vez uma vaga no Congresso.

Poucos querem falar no assunto, porque a temporada é de negociações. Mas poucos negam que estejam sendo tratadas conversas e articulações sobre quem ficará com as melhores acomodações.

Na Câmara o que chama mais a atenção é a lista de exceções. Isso porque possuem a prerrogativa de escolher seus próprios gabinetes, dentre outros, ex-presidentes da Casa, ex-parlamentares que tenham sido titulares de mandatos, suplentes que tenham exercido o cargo por mais de um ano, pessoas com necessidades especiais, maiores de 60 anos e mulheres.

Também podem escolher um gabinete sem precisar passar pelo sorteio parlamentares que tenham outros parentes deputados. Sem falar nos reeleitos, que têm direito a permanecer nos gabinetes onde já estão. Só nestes últimos quesitos o funil aperta bastante. A chamada “bancada de parentes” aumentou nas últimas eleições de 113 para 172 deputados. Destes, 118 já eram parlamentares e se reelegeram e 54 iniciam mandato como deputados federais pela primeira vez.

Na Câmara, os gabinetes mais disputados têm sido aqueles dos andares onde costumam ficar acomodadas por andar bancadas inteiras de um mesmo estado. É o caso, por exemplo, do quarto andar do Anexo IV, onde está concentrada boa parte dos deputados de Pernambuco.

O gabinete do presidente eleito Jair Bolsonaro e os de deputados que foram eleitos para o Senado, como o Major Olímpio (PSL-SP), Esperidião Amim (PP-SC) e Jarbas Vasconcelos (MDB-PE) também estão sendo disputados. Assim como os dos deputados Miro Teixeira (Rede-RJ) e os dos ex-ministros Mendonça Filho (DEM-PE) e Bruno Araújo (PSDB-PE) – no caso destes três últimos, eles deixam o Congresso dentro de poucas semanas.

Em relação aos gabinetes que hoje pertencem a Bolsonaro e Olímpio, apesar de estarem localizados em áreas menos nobres da Câmara, os locais interessam a deputados do PSL pelo que representam. Nos pertencentes a Miro Teixeira e Vasconcelos, pelo fato de serem mais bem estruturados, por se tratarem de dois políticos experientes que tendem a deixar alguns assessores e até material legislativo para seus substitutos.

E no tocante a Mendonça Filho e Araújo, a procura se dá por se tratarem de gabinetes de ocupantes de antigos ministérios. “Parece bobagem, mas muitas bancadas acreditam que a ocupação de um gabinete que pertenceu a um nome mais experiente agregará valor ao parlamentar que está chegando”, contou o assessor Javier Queiroz, para quem a regra é pura vaidade.

Antecessores famosos

Estão na fila para ocupar estes gabinetes nomes como a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), o presidente do PSL Luciano Bivar (PE), Tiago Mitraud (Novo-MG) e Bia Kicis (PRP-DF), dentre outros. Aécio Neves (PSDB-MG), por sua vez, como já presidiu a Casa, tem a prerrogativa de escolher onde vai querer se instalar.

O gabinete do deputado Bonifácio de Andrada (DEM-MG), que saiu da vida pública e não disputou eleição, é um exemplo típico dos que estão na cota dos que pertencem aos “parentes”. A sala chegou a ser procurada por três parlamentares recém eleitos, conforme contaram assessores. Mas vai para o seu filho, o deputado estadual Lafaiette de Andrada (PRB-MG). Recém chegado a Brasília, ele ocupará não apenas o gabinete, como também o apartamento funcional onde hoje mora o pai.

No Senado, o páreo é duro pela ocupação, em especial, dos gabinetes dos senadores Romero Jucá (MDB-RR), Cristóvam Buarque (PPS-DF), do próprio Eunício Oliveira (MDB-CE) e de José Agripino Maia (DEM-RN) – todos, parlamentares que não conseguiram se eleger. Além dos de Aécio e de Gleisi Hoffmann (PT-PR), que a partir de janeiro deixam o Senado para assumir vagas na Câmara.

Segundo informações de servidores da mesa diretora do Senado, um dos mais insistentes tem sido o Major Olímpio, que foi reiteradas vezes procurar o presidente para tratar do assunto e trabalha para ocupar uma sala em local privilegiado do Congresso. Olímpio queria o gabinete de Eunício, mas como encontrou pouco entusiasmo em seus argumentos, mudou de tática e pleiteia o que pertence hoje ao senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).

De acordo com informações de bastidores, há um entendimento entre os principais líderes para que gabinetes mais bem localizados, como é o caso do de Jucá, que passou por ampla reforma dois anos atrás, sejam oferecidos a parlamentares que já tenham assento na Casa, numa mera troca de cadeiras. No caso do senador por Roraima que não se reelegeu, tudo indica que o espaço passará a ser ocupado pelo senador Lasier Martins (PSD-RS) uma vez que assessores dão como certa negociação neste sentido.

Outro caso que tem chamado a atenção é o da senadora eleita Mara Gabrilli (PSDB-SP), que está concluindo mandato como deputada federal. Tetraplégica, Gabrilli tem a prerrogativa de escolha de um local especial em virtude da sua condição, motivo pelo qual já foram iniciadas obras no gabinete que a acolherá para alargamento de portas e colocação de rampas que facilitem sua locomoção.

O Senado ainda não divulgou quanto está gastando com a reforma do espaço da futura senadora, mas já foi repassado para a mesa diretora que, se houver necessidade de algum equipamento a mais que a Casa não arque, a própria parlamentar se encarregará das despesas para a modificação. O gabinete dela, entretanto, não confirmou essa informação.

Articulações adiantadas

Jorge Kajuru (PRP-GO), que assume um mandato pela primeira vez, demonstrou ser um dos mais articulados. Está praticamente acertado que ele ocupará o gabinete pertencente atualmente a Zezé Perrela (MDB-MG), outro que deixa o cargo.

Além da escolha e definição dos gabinetes, os parlamentares recém eleitos encontram-se em plena fase de mudança para Brasília. O curioso é que, independente dos que já moram na cidade, todos os que foram eleitos e reeleitos – ou seja, mesmo os que não precisam fazer mudança alguma – serão contemplados com um valor de R$ 33,7 mil para o chamado “auxílio-mudança”.

Eles poderão ficar em apartamentos funcionais, que também estão sendo escolhidos, mas podem optar pelo auxílio moradia – que serve para pagar aluguel de imóveis que não pertençam ao poder público – ou bancar diárias de flats e hotéis.

O gasto total previsto de R$ 20 milhões para este benefício aos parlamentares da Câmara e do Senado foi motivo de polêmica. O valor foi alvo de um requerimento do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), questionando esse gasto.

O senador lembrou o período de crise da economia e contenção de despesas e considerou um absurdo a falta de controle do Legislativo sobre tal verba. Mas até agora, apesar dos protestos de Randolfe, somente cinco parlamentares abriram mão de recebe-la.

Entre os senadores destacam-se José Reguffe (sem partido-DF), Eduardo Braga (MDB-AM) e o próprio autor do requerimento. E entre os deputados, os recém eleitos Tiago Mitraud (Novo-MG) e Bia Kicis (PRP-DF).

No quesito escolha de assessores, muitos parlamentares já definiram os que vão manter nos gabinetes onde forem instalados, os que lhes foram indicados pelos seus partidos – dentro da tradicional estratégia de preenchimento de cargos nas bancadas partidárias – e os de caráter pessoal, que trarão dos seus estados.

Outros ficaram de só fechar a definição dos nomes no início de fevereiro. Mas há exceções este ano, que passam tanto por edital para a realização de um concurso como a exigência de realização de teste toxicológico para os candidatos.

A ideia de realizar exame toxicológico em todos os assessores que vão ocupar seu gabinete foi divulgada pelo Capitão Styvenson (Rede-RN), que chega pela primeira vez ao Senado. E a do concurso, ou “processo seletivo”, conforme ele chamou, partiu do deputado Tiago Mitraud (Novo-MG). Nos dois casos, estes parlamentares argumentam que são critérios que passam longe do toma lá dá cá observado com emprego de privilegiados após as eleições. 

Cada deputado tem o direito de contratar até 25 secretários parlamentares com salários que variam entre R$ 1 mil a R$ 15 mil. E cada senador a 50 assessores, com salários que variam entre R$ 4 mil e R$ 17 mil.

Como forma de economizar nesta verba, até mesmo para usá-la de modo racional para outros projetos, um grupo de deputados recém eleitos também lançou  um projeto de “Coworking”, ou seja, espaço compartilhado – algo que, se for concretizado, consistirá na primeira experiência do tipo no Congresso Nacional.

Para os deputados eleitos Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES) a ideia é montar uma sala com assessores em comum, que chamam de hackers políticos, para avaliação de dados. “Cada um manteria uma estrutura pequena de funcionários próprios, com um assessor de imprensa e um assessor parlamentar mas o resto da verba seria usada para contratar funcionários que trabalhariam para todos”, explicou Tabata Amaral.

“Ainda estamos estudando como fazer, mas achamos a ideia interessante. E com o trabalho poderemos avançar em estudos de temas mais complexos, como orçamento público por exemplo”, acrescentou ela.

Em meio a estas discussões, ao esvaziamento dos gabinetes de quem está saindo, de programação dos dias para pintura e restauração de móveis para os que estão chegando e de organização geral das duas Casas para a próxima legislatura, o que tende a valer mesmo é a frase do atual decano da Câmara, Miro Teixeira.

Depois de 11 mandatos, ele, que deixa a política, tem alertado os novatos que encontra ansiosos pela frente. “O primeiro mandato é sempre de aprendizado e o mais difícil é sempre o próximo”, costuma afirmar. Independentemente dessa máxima e, pela fogueira de vaidades aparente, talvez os próximos dois meses sejam curtos para deixar os gabinetes ao gosto de cada parlamentar.