cpi da merenda

Servidores de Alckmin tentam sustentar que governo foi vítima de ‘cooperativa bandida’

Demitido um dia antes da operação Alba Branca, ex-chefe de gabinete da Casa Civil diz que fez contatos em Mongaguá porque queria vender suco de laranja nas praias, mas admite ligação com lobista da Coaf

Marco Antonio Cardelino / alesp

Padula (ao centro) negou relação com Moita e Marcel, e foi acusado de mentir à CPI da Merenda

São Paulo – Em depoimento hoje (5) à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura o esquema de superfaturamento e pagamento de propina em contratos de fornecimento de merenda escolar no governo Geraldo Alckmin (PSDB), servidores do governo paulista expuseram contradições que comprometem a versão defendida pelos aliados do tucano. “Eles combinaram bem a versão de que o governo é vítima de uma cooperativa bandida. Mas houve contradições importantes nos depoimentos, que precisam ser esclarecidas”, afirmou o deputado Alencar Santana (PT).

O primeiro a depor foi o ex-chefe de gabinete da Casa Civil do governo Alckmin Luiz Roberto dos Santos, o Moita. Questionado sobre o porquê de ter sido demitido do cargo um dia antes da Operação Alba Branca, que desbaratou o esquema, Moita disse ter sido coincidência. “Sou servidor de carreira da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e já havia informações sobre meu retorno à função”, afirmou. Moita ainda admitiu ter feito contatos na cidade de Mongaguá, onde morava, para saber do mercado de suco de laranja. “Ele queria vender nas praias. Eu liguei lá e me informei”, minimizou.

Ele admitiu ter atendido o lobista Marcel Ferreira Júlio, que atuava em nome da Cooperativa Orgânica da Agricultura Familiar (Coaf) “três ou quatro vezes”. “Ele disse que tinham problemas para honrar o contrato com a Secretaria da Educação por conta crise econômica e da alta do dólar. E ia pedir um aditivo. Eu sou advogado e orientei que não era caso de aditivo, mas de reequilíbrio econômico”, afirmou.

Moita nega que tenha tomado conhecimento do contrato ou que tenha interferido em favor da Coaf. Mas admitiu que disse à secretária dele para contatar a Secretaria da Educação, quando procurado por Marcel. Também admitiu ter feito contato com a Junta Comercial, onde trabalhou, para saber o motivo da demora na liberação de documentos da cooperativa. “Eu conheço o funcionamento e estranhei a demora. Mas mandei apenas email com o número do protocolo, não interferi”, afirmou.

Santana apresentou documentos comprovando que Moita fazia solicitações recorrentes à Junta Comercial. “Era uma situação comum na secretaria. Eu também fiz muitos encaminhamentos a outras pastas, como a saúde”, afirmou Moita. Em uma das interceptações telefônicas da operação, ele conversa com Marcel e diz que é “preciso agir rápido”, pois o então secretário da Educação, Herman Voowald, havia caído, “mas nosso amigo ainda está lá”. O amigo seria Fernando Padula, ex-chefe de gabinete da Secretaria da Educação.

Base aliada

A base aliada do governador agiu em defesa dos depoentes. O deputado Barros Munhoz (PSDB) disse que a atuação de Moita era “normal da prática sadia da política”. E, garantindo que o ex-chefe de gabinete é uma “pessoa íntegra”, perguntou se ele tinha convicção de não ter feito nada errado. “Tenho”, respondeu Moita. “Era só isso senhor presidente”, concluiu Munhoz.

Padula foi o segundo a depor. Ele disse que só soube do caso pela imprensa e logo pediu a apuração da Corregedoria Geral da Administração (CGA). Disse não conhecer ninguém da Coaf, nem ter envolvimento com o processo de aquisição de alimentos da merenda. Admitiu, porém, que se fosse perguntado sobre o caso em questão, independentemente de quem fosse, orientaria que não se tratava de aditivo, mas de reequilíbrio econômico.

Sobre sua relação com Moita, disse tratar apenas de “chefe de gabinete para chefe gabinete”, mas desconversou ao ser questionado se o processaria por tê-lo envolvido no caso. Nos depoimentos ao Ministério Público, Moita e Marcel dizem ter tratado várias vezes com Padula. “O senhor está mentindo, dizendo que não falou. Se vamos aceitar isso é melhor acabar com a CPI”, afirmou Santana.

Precarização da imprensa

Padula atribuiu as acusações contra ele à “precarização da imprensa”. “Os profissionais não têm mais especialização. É, tinham que nivelar pois estavam batendo muito no PT”, afirmou. Ele também foi defendido por Munhoz. “Me considero tranquilo sobre sua pessoa. O senhor é honesto. Eu entendo como é ser acusado injustamente”, disse o deputado.

Ex-servidora da Secretaria da Educação, responsável pela assinatura de contratos de fornecimento da merenda escolar, Dione Di Pietro admitiu que houve erros na condução do processo com a Coaf. Entre esses, a declaração falsa de associação da cooperativa à Organização de Cooperativas do Estado de São Paulo (Ocesp), a apresentação de laudo bromatológico falso do Instituto Adolfo Lutz – relativo à qualidade do suco de laranja – e apenas dois orçamentos dos três exigidos pela legislação.

“Os orçamentos, eu recebi orientação da área técnica que era legal aceitar daquela forma”, afirmou ela, que se aposentou em dezembro de 2014. Ela ressaltou, porém, que apenas assinava os contratos e não podia fazer o controle técnico deles. “Havia servidores designados para essa função que deviam ter verificado esses pontos. Às vezes assinava mais de 200 contratos num dia, não tinha como verificar esse detalhamento”, disse Dione.

Dione contradisse Padula, que afirmara não se envolver em assuntos da merenda escolar. “Logo que eu assumi essa função houve uma reunião que ele coordenou e cobrou que era preciso aplicar a verba da alimentação escolar”, afirmou. A ex-servidora também foi defendida por Barros Munhoz, que se ofereceu para “ser testemunha da dignidade e honestidade dela”.

Para o deputado João Paulo Rillo (PT), a CPI “está dada”. “Fica claro que foram todos enganados pelo terrível ‘demônio’ Marcel. Ele ludibriou todos vocês. Governo, assessores, deputados são vítimas”, afirmou. Para ele, a CPI está apenas “contribuindo para a ópera bufa que virou a política brasileira”.

Ao final da CPI foi aprovada uma nova convocação de Jeter Rodrigues, ex-assessor do presidente da Assembleia Legislativa paulista, deputado Fernando Capez (PSDB). Segundo denúncia do portal G1, a polícia encontrou seis recibos no valor total de R$ 63 mil, em nome dele na sede da Coaf. Rodrigues já era suspeito de ter recebido R$ 50 mil em propina. O cheque utilizado para pagamento foi apreendido, mas estava sem fundos. Ele também fez um contrato de assessoria com a Coaf, enquanto trabalhava no gabinete de Capez, o que é proibido. Não há data para o depoimento.