Consulta popular

Plebiscito e novas eleições não são consenso entre lideranças da esquerda

Algumas posições admitem a hipótese de dar à população a chance de escolher se quer ou não novo pleito, outras defendem o debate para amadurecer a ideia e uma terceira via recusa a possibilidade

Roberto Stuckert Filho/PR

Dilma: “O pacto de 1988 foi rompido e não acredito que se recomponha esse pacto dentro de gabinete”

São Paulo – A proposta da presidenta Dilma Rousseff de uma repactuação política no país a partir de consulta à população, o que poderia ser feito por meio de um plebiscito, é encarada de maneira diferente pelas lideranças da esquerda. Na entrevista a Luis Nassif, exibida ontem (9) pela TV Brasil, Dilma não foi clara sobre a forma pela qual essa consulta deve ser feita e nem o conteúdo.

“O pacto que vinha desde a Constituição de 1988 foi rompido e não acredito que se recomponha esse pacto dentro de gabinete. Acredito que a população seja consultada”, afirmou Dilma ontem. Mas a ideia de um eventual plebiscito que contivesse a pergunta sobre novas eleições não é consensual entre lideranças alinhadas à presidenta ou ao seu mandato.

“Estamos iniciando a discussão e não fizemos, o PT e a esquerda em geral, nenhum debate organizado sobre isso ainda. Temos dois aspectos a considerar. Um, que de fato temos problemas no Parlamento. É difícil realmente uma solução dentro do Parlamento”, avalia a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS).

“Dilma retornando, continuará tendo problemas no Congresso. Depois, por outro lado, não podemos aceitar uma solução como, por exemplo, a que foi imposta a João Goulart (em 1961). Quando ele conseguiu manter a legalidade e assumir, foi imposto o parlamentarismo. Vão impor a Dilma que ela volte para sair? Não, não é bem assim”, diz a petista.

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) tem posição diferente. “A primeira força que levantou a bandeira do plebiscito foi o PCdoB. Levamos essa discussão para ela (Dilma). Ela foi eleita por um pacto que se rompeu. Houve um golpe. Queremos que ela volte. E, ao voltar, uma das hipóteses é ela pedir ao povo para decidir se quer a permanência dela ou se antecipa as eleições. É uma atitude de grandeza, de compreender que houve um processo de mudança no Brasil”, afirma.

“O retorno dela é fundamental, até porque, se tiver um processo de consulta, o comando tem que ser da própria Dilma, já que a restauração da democracia é o retorno dela. Mas ela própria está dizendo que talvez tenhamos que consultar o povo”, diz Jandira.

Mesmo tendo a própria Dilma declarado sobre a necessidade de se consultar a população, Maria do Rosário acredita que a discussão precisa amadurecer. “Dilma quer fazer essa consulta já há algum tempo, ela tem falado em plebiscito. Eu não descartaria, mas acho que tem que ser muito bem discutido. Não há consenso. Mesmo quem pode ser simpático tem muitas dúvidas.”

Ex-presidente do PSB e coordenador da Frente Brasil Popular, Roberto Amaral não admite a hipótese de o mandato de Dilma Rousseff ser interrompido. “A Dilma foi eleita para um mandato de quatro anos. Temos que preservar este mandato, independentemente dela. Estamos defendendo não só a presidente Dilma, estamos defendendo a Constituição Federal. Não posso ser contra a tentativa da usurpação do mandato dela pelo Congresso e ser a favor da usurpação do mandato dela através de um plebiscito”, enfatiza.

Para ele, a crise está na estrutura do Estado presidencialista, no processo eleitoral e no sistema político. “A solução é a presidente recuperar o mandato, retomar o seu governo, romper com o presidencialismo de coalizão e estabelecer um pacto politico popular. Assim ela terá condições de governar.”

Já Guilherme Boulos, coordenador da Frente Povo sem Medo, diz que o MTST, que também coordena, está debatendo a questão. “Ainda não fechamos uma posição pública sobre o tema. Em relação a eventuais eleições e plebiscito, o MTST ainda debate para construir uma posição. Uma posição em que haja unidade da esquerda. Achamos fundamental a unidade para enfrentar o governo ilegítimo que se estabeleceu no país”, diz.

Segundo o líder do MTST, de fato existe a possibilidade em torno de uma possível carta de compromisso de Dilma para ser apresentada no caso de ela retornar, contendo compromissos com os movimentos sociais. “De fato existe articulação para uma carta.”

O cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC, pondera que Dilma “não foi muito incisiva” em relação à sua fala sobre a consulta popular, na entrevista à TV Brasil. “Me parece que ela está se colocando à disposição para tentar a hipótese de eleições gerais. Mas ela não apontou em uma direção específica, deixou apenas a entender que seria uma consulta popular.”

Para Marchetti, Dilma talvez pudesse se posicionar de maneira mais contundente por eleições presidenciais. “Acho que aí estaríamos num campo mais concreto. Porque eleição geral é muito pouco provável.”

“O momento é agora”

O professor da UFABC entende que uma solução que envolvesse o retorno de Dilma e posteriormente um plebiscito que apontasse para novas eleições ou outra solução dependeria de um grande acordo nacional, que superasse a desconfiança dos atores políticos em relação a Dilma enquanto negociadora. “A gente sabe que um dos problemas do governo dela foi não inspirar muita confiança nos acordos promovidos com os políticos. Teria que ter um grande arranjo. Mesmo assim, ela não sinaliza de modo muito contundente, mas se tiver que sinalizar, o momento é agora.”

Para Jandira Feghali, o fato de Dilma sugerir a hipótese de fazer a consulta ao povo “é positiva e humilde da parte dela”. “Mostra grandeza política de quem quer retomar a democracia no Brasil.”

Na opinião da deputada comunista, um plebiscito poderia não apenas enfocar a questão se o povo quer ou não antecipar as eleições, mas colocar outras perguntas sobre o caminho do Brasil. “Pode ser feita uma pergunta única, se vai ter eleição ou não, mas pode-se agregar a esse plebiscito outras questões com perspectivas para o país. Essa análise vai ter que fazer no processo.”

A iniciativa de proposição de plebiscito cabe ao Congresso, por meio de um decreto legislativo da Câmara ou do Senado. A medida precisa ser aprovada por maioria simples nas duas casas.

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