passou da hora

ONU admite pela primeira vez que Israel pratica crimes de guerra passíveis de julgamento em cortes internacionais

Alerta feito nesta quinta ocorre no dia mesmo dia em que o número de mortes em Gaza, devido à ofensiva israelense, ultrapassou 30 mil, deixando ainda 17 mil crianças órfãs. ONU diz que bloqueio e cerco à Palestina é “punição coletiva” e fome tem sido usada como “método de guerra”

Agência Wafa
Agência Wafa
. Há hoje também pelo menos 17 mil crianças palestinas órfãs ou separadas de suas famílias, calcula a ONU

São Paulo – Pela primeira vez desde o início da guerra em Gaza, há cinco meses, a Organização das Nações Unidas (ONU) admitiu a prática de crimes de guerra passíveis de julgamento em cortes internacionais pelo governo de Benjamin Netanyahu. “A guerra em Gaza precisa acabar. Todas as partes cometeram violações claras dos direitos humanos internacionais e das leis humanitárias, incluindo crimes de guerra e possivelmente outros crimes de acordo com a lei internacional. Chegou a hora – e já passou da hora – da paz, investigação e responsabilização”, disse o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos Volker Turk em discurso no Conselho de Direitos Humanos da ONU nesta quinta-feira (29), dia em que o número de palestinos mortos ultrapassou a marca de 30 mil.

Conforme informações do jornalista Jamil Chade, em sua coluna no UOL, Turk apontou violações claras dos direitos humanos internacionais e das leis humanitárias, incluindo crimes de guerra, e disse não haver palavra para expressar o horror visto em Gaza”. A ONU calcula que, desde o início de outubro, mais de 100 mil pessoas foram mortas ou feridas na Palestina. Há hoje também pelo menos 17 mil crianças órfãs ou separadas de suas famílias. E dezenas de milhares de pessoas desaparecidas, muitas delas enterradas sob os escombros de suas casas. Além de “muitas outras que carregarão as cicatrizes do trauma físico e emocional por toda a vida”, disse o alto comissário.

A ONU também acusou o governo Netanyahu de “impedir a assistência humanitária” à população palestina. No território sitiado, 2,2 milhões de palestinos, a grande maioria da população, estão ameaçados de fome. “Quase todos estão bebendo água salgada e contaminada. O sistema de saúde em todo o território mal está funcionando. Imagine o que isso significa para os feridos e para as pessoas que estão sofrendo com surtos de doenças infecciosas”, disse Turk.

No norte de Gaza, o espaço operacional para o trabalho humanitário foi extinto. O que, na avaliação da entidade, mostra que o bloqueio e o cerco impostos ao território palestino por Israel “equivalem a punição coletiva”. Diante dessa situação, a ONU observou ainda que a fome tem sido usado como “método de guerra” pelas forças israelenses. “Combos, cometidos intencionalmente, são crimes de guerra”, afirmou o alto comissário.

Conflito mais mortal

Há ainda “indícios de que as forças israelenses se envolveram em alvos indiscriminados ou desproporcionais que violam o direito internacional humanitário”, completou. O discurso também denunciou os 56 anos de ocupação israelense na Palestina, que impôs “sistemas de controle profundamente discriminatórios”. Desde 2007, quando Gaza passou para o comando do Hamas, o território sobre um bloqueio de Israel que destruiu a economia local.

Apesar do histórico de violações, segundo a ONU o atual conflito já é, de longe, o mais mortal dos últimos cinco que opuseram Israel ao Hamas. Bombardeios israelenses devastaram bairros inteiros e forçaram 1,7 milhão de palestinos – de um total de 2,4 milhões de habitantes – a fugir das suas casas, de acordo com o grupo que controla o território. Desde 27 de outubro, os ataques por terra, mar e ar foram intensificados por uma ofensiva terrestre israelense no norte da Palestina que avança em direção ao sul.

Outro alerta feito pela ONU se refere a um possível ataque de Israel a Rafah. A cidade, que fica perto da fronteira com o Egito, tem cerca de 1,5 milhão de palestinos concentrados, a maioria dos quais são deslocados, diz a entidade. Antes da guerra, eram 270 mil habitantes. Atualmente, Rafah já é alvo de bombardeios diários israelenses, apesar de ser a principal porta de entrada da ajuda a Gaza, que chega em quantidades muito limitadas.

Para as Nações Unidas, o ataque terrestre, anunciado pelo primeiro-ministro israelense “levaria o pesadelo que está sendo infligido à população de Gaza a uma nova dimensão distópica”. “Um ataque terrestre acarretaria uma perda potencialmente maciça de vidas, risco adicional de crimes de atrocidade, novo deslocamento, para outra distribuição em local inseguro, e assinaria uma sentença de morte para qualquer esperança de ajuda humanitária eficaz”, alertou Turk.

O alto comissário concluiu sua fala, afirmando que apenas haverá faz com o fim das invasões aos território palestinos. Ele cobrou dos líderes israelenses que aceitem o direito da Palestina de ser um Estado independente. Assim como “todas as facções palestinas devem reconhecer o direito de Israel de existir em paz e segurança”.

Fim das hostilidades

Turk também defendeu o fim das hostilidades para além de um cessar-fogo imediato.”Todos os reféns devem ser imediata e incondicionalmente libertados, e os milhares de palestinos arbitrariamente detidos por Israel também devem ser libertados”, acrescentou. Em paralelo, o Catar, os Estados Unidos e o Egito tentam chegar a um acordo de trégua para uma pausa de seis semanas.

A proposta é que no período um refém israelense, entre mulheres, crianças e idosos doentes, sejam trocados todos os dias por dez palestinos detidos por Israel. Na segunda-feira, o presidente dos EUA, Joe Biden, falou de “um acordo de Israel de que não se envolveria em operações durante o Ramadã” para “retirar todos os reféns”. “Espero que até à próxima segunda-feira tenhamos um cessar-fogo”, ressaltou, sublinhando que isso “ainda não foi feito”.

O Alto Comissariado dos Direitos Humanos da ONU, no entanto, não menosprezou os ataques do Hamas, em 7 de outubro, que matou 1.404 israelenses. E classificou como “chocante” e “profundamente traumatizantes e totalmente injustificáveis”. O comissário afirmou que “a matança de civis, os relatos de tortura e violência sexual infligidos pelo Hamas e por outros grupos armados palestinos e a manutenção de reféns desde aquela época são terríveis e totalmente errados”. Contudo, “o mesmo acontece com a brutalidade da resposta israelense”, disparou Turk na reunião.

Mesmo assim houve troca de farpas entre as diferentes delegações. O governo de Israel acusou a ONU de ter ignorado a construção de uma operação terrorista em Gaza e de não ter dado o devido valor às vítimas israelenses. Já a diplomacia palestina acusou Israel de “genocídio”.

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Redação: Clara Assunção com informações do UOL e da RFI