'Esquemabet'

Escândalo de apostas ameaça credibilidade do futebol brasileiro

Sete jogadores foram denunciados por participar de esquema criminoso que fraudou resultados de partidas do campeonato brasileiro no ano passado. Outros quatro foram afastados preventivamente

Rafael Ribeiro/CBF
Rafael Ribeiro/CBF
Organização criminosa utilizava sites de apostas que proliferaram no Brasil nos últimos anos

São Paulo – A Operação Penalidade Máxima II, que investiga manipulação de resultados em partidas do campeonato brasileiro das séries A e B ocorridas no ano passado vem causando abalos no mundo do futebol. Na segunda-feira (9), o Ministério Público de Goiás (MP-GO) denunciou 16 pessoas, incluindo sete jogadores. De acordo com as investigações, atletas eram cooptados por uma organização criminosa para assegurar resultados de jogos específicos, além de cometerem faltas, pênaltis e receberem cartões, beneficiando apostadores. A organização também atuou quatro partidas de campeonatos estaduais neste ano.

Os procuradores obtiveram prints de conversas de WhatsApp entre apostadores, jogadores e os responsáveis por arquitetar as apostas fraudulentas. “Há indícios de que as condutas previamente solicitadas aos jogadores buscavam possibilitar que os investigados conseguissem grandes lucros em apostas realizadas em sites de casas esportivas, utilizando, ainda, contas cadastradas em nome de terceiros para aumentar os rendimentos”, afirmou a assessoria de imprensa do MP-GO.

Confira a lista de partidas em que o grupo atuou, segundo os investigadores:

  • Palmeiras x Juventude (10.09.2022)
  • Juventude x Fortaleza (17.09.2022)
  • Goiás x Juventude (05.11.2022)
  • Ceará x Cuiabá (16.10.2022)
  • Sport x Operário (PR) (28.10.2022)
  • Red Bull Bragantino x América (MG) (05.11.2022)
  • Santos x Avaí (05.11.2022)
  • Botafogo x Santos (10.11.2022)
  • Palmeiras x Cuiabá (06.11.2022)
  • Red Bull Bragantino x Portuguesa (SP) (21.1.2023)
  • Guarani x Portuguesa (SP) (08.02.2023)
  • Bento Gonçalves x Novo Hamburgo (11.02.2023)
  • Caxias x São Luiz (RS) (12.02.2023)

Jogadores investigados

Na denúncia apresentada à Justiça, os procuradores requerem pelo menos R$ 2 milhões em indenização por dano moral coletivo. O valor se refere ao lucro que a quadrilha pretendia auferir em um dos esquemas fraudulentos envolvendo o zagueiro Eduardo Bauermann, do Santos. Ele teria se comprometido a levar cartões em partidas do Brasileirão do ano passado. O jogador não cumpriu o acordo e recebeu ameaças de morte da quadrilha. O time da Baixada Santista anunciou o afastamento do jogador.

Conforme o processo, Bauermann teria aceitado proposta de R$ 50 mil para forçar um cartão amarelo no jogo contra o Avaí, no dia 5 de novembro de 2022, e não cumpriu. Para se redimir, teria prometido ser expulso diante do Botafogo, cinco dias depois. O zagueiro levou o vermelho, mas após o final da partida, o que não é contabilizado nas casas de apostas.

A quadrilha combinava com os jogadores a ocorrência desses lances, e vendia a promessa a apostadores, a quem chamavam de “investidores”. As apostas eram feitas pelo grupo em sites como Bet365.com e Betano.com. Ao descumprir o combinado, Bauermann passou a receber ameaças de morte dos apostadores, com cobranças para ressarcir a quadrilha, após perda milionária.

500 mil por cartão

O São Bernardo, que disputa a Série C do Brasileirão, também anunciou, nesta quarta (10), o afastamento do volante Fernando Neto. Ele é investigado por suposta tentativa de aliciar Bauermann, quando o zagueiro santista ainda atuava pelo América (MG).

Além disso, quando jogava pelo Operário (PR), Neto foi abordado por um homem chamado Bruno Lopez, o BL, que ofereceu R$ 500 mil para que ele tomasse um cartão vermelho em partida contra o Sport, pela Série B, no ano passado. O volante também não conseguiu cumprir o prometido. Cobrado por BL, apontado como um dos líderes da quadrilha, o volante se justificou: “olha as faltas que fiz, só faltou eu agredir o árbitro pra acontecer alguma coisa”, justificou.

Além de Bauermann e Neto, foram denunciados os seguintes jogadores: Gabriel Tota (Ypiranga-RS), Victor Ramos (Chapecoense), Igor Cariús (Sport), Paulo Miranda (Náutico), Fernando Neto (São Bernardo) e Matheus Gomes (Sergipe).

Afastados

Outros grandes clubes também afastaram preventivamente alguns jogadores. Eles não foram denunciados, mas aparecem em conversas com membros da quadrilha ou em planilhas como possíveis alvos do esquema. O Cruzeiro, por exemplo, afastou o volante Richard. No ano passado, quando ainda defendia o Ceará, ele teria recebido um depósito de R$ 40 mil para receber cartão amarelo em partida contra o Cuiabá.

O Fluminense também anunciou o afastamento do zagueiro Vitor Mendes. Ele teria recebido R$ 5 mil, como parte do pagamento de R$ 35 mil, para levar um cartão amarelo ano passado, quando ainda defendia o Juventude, em partida contra o Fortaleza. O Athletico Paranaense também afastou o lateral-esquerdo Pedrinho e o volante Bryan García. Ambos aparecem numa planilha de apostadores ligados ao esquema.

Apesar das denúncias, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ednaldo Rodrigues, disse hoje que não pretende paralisar as Séries A e B do Campeonato Brasileiro. Em entrevista ao portal UOL, ele afirmou que a CBF “não tem poder de polícia e Justiça”, e espera “rigor” nas apurações. “Não temos como suspender a competição. Não é (acusação) de um dirigente, não é de um presidente de clube, não é de um árbitro. Isso está sendo de atletas”.

CPI das bets

Os esquemas de manipulação de resultados envolvendo sites de apostas também serão tema de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Câmara. A previsão é que a comissão deve começar a funcionar já na semana que vem. O deputado Felipe Carreras (PSB-PE) requereu a instalação da comissão ainda com base na primeira fase da Operação Penalidade Máxima, deflagrada em fevereiro. Para Guilherme Boulos (Psol-SP), a falta de regulação dos sites de apostas está na origem do escândalo atual envolvendo o futebol.

De acordo com levantamento do jornal O Globo, o setor de apostas esportivas no Brasil movimenta cerca de R$ 150 bilhões por ano – “mas opera praticamente 100% na informalidade, sem pagar impostos”. O governo federal estima que o setor invista cerca R$ 3 bilhões anualmente, em patrocínios e publicidade por ano, entre camisas de times, placas de campeonatos e espaços na mídia. Praticamente todos os clubes da Brasileirão são patrocinados por casas de apostas. A Betano, uma das maiores, inclusive é a principal patrocinadora da Série B do Brasileirão, dando nome ao campeonato.

Regulamentação

Nesse sentido, o Ministério da Fazenda também vem preparando uma medida provisória que pretende regular o funcionamento econômico dessas empresas. A expectativa é arrecadar até R$ 15 bilhões com a tributação das apostas online. A CPI, por outro lado, além de investigar os casos de manipulação, também deverá apresentar recomendações para limitar a influência dessas plataformas, de modo a preservar a credibilidade das competições esportivas.

De acordo com a Associação Brasileira de Defesa da Integridade do Esporte (Abradie), que representa a indústria de apostas, as denúncias afetam negativamente as casas de apostas e os clubes de futebol. Em entrevista ao jornal esportivo Lance!, o diretor da Abradie Guilherme Buso disse que o combate à manipulação dos resultados passa por “diferentes caminhos, que vão desde a colaboração entre os atores à regulamentação das apostas esportivas”. Segundo ele, relatórios mostram que o Brasil é o lugar com mais alertas de suspeitas de manipulação no primeiro trimestre deste ano.

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