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Assédio dos chineses ao futebol é nova ‘bolha’, diz Belluzzo

Times chineses vieram ao Brasil para se reforçarem, o que resultou em um desmanche no atual campeão brasileiro, o Corinthians

Eleven/Folhapress

Renato Augusto, ex-meia do Corinthians, aceitou proposta de um clube chinês e se despediu do time brasileiro

Conversa Afiada – Em poucos dias, o Corinthians, atual campeão brasileiro de futebol, perdeu os meis Jadson e Renato Augusto, além do volante Ralf para times da segunda divisão da China. Outro do meio campo e da Seleção, o também volante Elias, está “na bica”.

O Corinthians também pode perder o goleiro Cássio para a Turquia e o Vagner Love para o Monaco, da França. Como explicar esse êxodo? Em entrevista ao blog Conversa Afiada, do jornalista Paulo Henrique Amorim, o professor de Economia e ex-presidente do Palmeiras, Luiz Gonzaga Belluzzo, afirma que a globalização do mercado do futebol, iniciada nos anos 80 – que à época tinha principalmente a Itália como o principal destino dos grandes jogadores do resto do mundo –, se acentuou neste início de milênio, elevando “absurdamente” os valores envolvidos nas transações.

“Eu compararia isso a uma bolha, à semelhança da bolha da Bolsa chinesa, ou do empréstimo ou dos financiamentos de infraestrutura hipotecárias”, afirma o professor, antevendo uma possível crise adiante.

Leia a íntegra:

O senhor, como economista e ex-presidente do Palmeiras, como explica esse êxodo do time praticamente inteiro do Corinthians para o futebol da segunda divisão da China?

Pois então, Paulo Henrique. Essa é a culminação de um processo que vem desde o final dos anos 80, e se acentua nos anos 90 e no terceiro milênio, que é a globalização dos mercados do futebol. Não só entrou muito dinheiro – legal e ilegal, basta ver os clubes da Inglaterra a quem pertencem – mas os valores subiram muito.

Tanto das transações entre clubes, com a interferência de empresários parrudos, que ganham muito dinheiro, como também o valor dos salários. Os salários subiram absurdamente. Basta ver a China, que acho que é a última etapa, não sei o que vai acontecer depois, acho difícil isso se manter. Os salários são absurdos. São de três milhões de dólares por mês, dois milhões, um milhão e meio, na segunda divisão.

Então eu equipararia isso a uma bolha, à semelhança da bolha da Bolsa chinesa, ou do empréstimo ou dos financiamentos de infraestrutura hipotecárias. Eu compararia com o que está acontecendo com o futebol.

O futebol brasileiro não tem como resistir a isso? Não há capital? O campeão do campeonato mais importante do Brasil acabou…

Pois é, ele está na verdade desmanchando o time. E é muito difícil resistir porque você está observando uma tentativa dos chineses de se apropriarem da sabedoria futebolística de outras plagas – não sei como ainda não tentaram o Messi – para dar um impulso no futebol deles. E eles são sempre assim.

E eu acho muito difícil o Brasil resistir. Você veja a história desse jogador do Corinthians, o Renato Augusto, que acabou saindo. Ele até estava pessoalmente disposto a ficar, mas é muito difícil resistir a essa tentação. Eu acho que fica complicado para os clubes brasileiros. Nós temos que apostar mais naquilo que nós produzimos aqui. E nós temos produzido pouco. Muito pouco em matéria de qualidade.

Um time da envergadura do Palmeiras, por exemplo, seria tão vulnerável quanto foi o Corinthians?

Todos são vulneráveis, porque é impossível se acompanhar os salários que são oferecidos lá. Muito difícil. Você vê o Palmeiras, eu acho que pensou – não sei, não tenho essa informação – pensou em trazer o Conca (Darío Conca, meia argentino, atualmente jogador do Shanghai Dongya) de volta. Mas o Conca ganha, se não estou enganado, 1 milhão e 200 mil dólares por mês.

Como é que você vai concorrer com esse salário? É muito difícil. Então, você fica restrito ao mercado local, enquanto há uma certa segmentação ainda. Mas é muito difícil você resistir. Seria preciso que houvesse uma outra solução. As receitas de transmissão dos clubes brasileiros subiram muito nos últimos anos, mas elas são infinitamente inferiores àquilo que é pago na Europa. E nem estou falando da China, estou falando da Europa.

O Corinthians não fez caixa com essa venda em massa para trazer, digamos, o Messi? O Corinthians não está com grana no bolso?

Sim, o Corinthians tem participação parcial nas vendas desses jogadores. Além disso, economiza os salários que eram pagos. Agora, não quero me envolver na economia doméstica de um clube de São Paulo, que é o nosso principal rival, mas o Corinthians tem um projeto de construção do estádio que vai onerá-lo nos próximos anos.

O Corinthians está com dificuldades financeiras, sim. Eu espero que não perdure, porque o Corinthians é um protagonista muito importante do nosso futebol, assim como é o Palmeiras, o São Paulo, o Santos. Então, eu gostaria que isso não estivesse acontecendo.

Você falou que o Corinthians tem uma participação parcial nas vendas. Para o leitor entender: o dinheiro não vai todo para o bolso do clube? O que acontece?

Não, porque alguns jogadores têm passe livre, outros pertencem também a empresários. Então os jogadores são divididos entre empresários e clubes. Em geral, o clube não tem participação majoritária. Eu li que o Corinthians chega a ter 50% em  alguns casos e em outros, são 30%. Essa é uma outra mudança no mercado do futebol, quer dizer, a maioria dos jogadores que está nos clubes pertence também a outros participantes, em geral a empresários de futebol.

Não é sintomático e revelador que os principais jogadores do (atualmente) principal time do Brasil – o Corinthians ganhou o Brasileirão – não consiga ir para a elite do futebol europeu e vá para a segunda divisão da China? Isso não dá uma ideia do tipo de futebol que se pratica no Brasil?

Eu acho que tem os fatores de atração, que no caso da China são muito fortes. São muito mais fortes do que os fatores de atração dos europeus. Por exemplo, o Vagner Love está indo para o Monaco (FRA). As transações para os clubes europeus continuam ocorrendo.

Mas a diferença de atratividade do salário chinês para o salário europeu é absurda. Nós não estamos mais – francamente, e faz algum tempo – na elite do futebol mundial. Basta ver os resultados e o desempenho da Seleção. Houve uma mudança estrutural, e a gente precisa saber lidar com isso, identificar e trabalhar essas questões.

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