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Ministros criticam ‘choque de gestão’ de Aécio: pastas ajudaram a reduzir desigualdades

Ex-titulares de Direitos Humanos, Mulheres, Igualdade Racial e Desenvolvimento Agrário, ameaçadas de extinção numa eventual vitória tucana, reafirmam importância de políticas públicas

Marcelo Camargo/ABr

Balanço entre investimentos públicos e resultados é favorável a pastas como Igualdade Racial

São Paulo – Ministros e ex-ministros de pastas ameaçadas de extinção no caso de uma vitória do PSDB nas eleições presidenciais do próximo domingo (26) têm poucas dúvidas sobre os reais significados do “choque de gestão” proposto por Aécio Neves. “A lógica tucana sempre foi reduzir o papel do Estado na promoção de serviços e políticas públicas que induzam desenvolvimento com distribuição de renda”, argumenta o deputado federal Pepe Vargas (PT-RS). “Eles precisam reduzir gastos sociais para cumprir os compromissos que assumiram com especuladores.”

Crítico do receituário tucano, Pepe Vargas comandou o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) na segunda metade do governo Dilma Rousseff (PT), entre 2012 e 2014. “Ao dizer que vai extinguir o MDA, Aécio sinaliza descompromisso com a continuidade da reforma agrária e políticas que permitiram ganhos expressivos na agricultura familiar”, sustenta, fazendo referência às promessas do candidato de reunir num único “superministério” as pastas da Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Pesca e Meio Ambiente.

O presidenciável do PSDB também já admitiu que enxugará os ministérios das Cidades, Transportes, Portos, Integração Nacional e Minas e Energia numa única pasta, que teria o nome de Ministério da Infraestrutura. Em debate transmitido pela Band, na semana passada, Aécio também sinalizou que acabará com a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, criada pelo ex-presidente Lula em 2003. Especula-se que ainda estejam na mira do tucano as secretarias de Direitos Humanos e de Políticas para Promoção da Igualdade Racial.

Desde a pré-campanha, Aécio tem dito que cortará pela metade o número de ministérios brasileiros (hoje, são 39) para supostamente dar maior eficácia à gestão pública, cortar gastos e acabar com o loteamento de cargos para aliados políticos – “atender à companheirada”, como gosta de dizer. “Para quem busca o bem-estar da população, esses ministérios são investimentos. Para quem quer reduzir a capacidade do Estado de intervir na redução da desigualdade, isso é gasto”, afirma o deputado federal Edson Santos (PT-RJ), ministro da Secretaria Especial de Políticas para Promoção da Igualdade Racial entre 2008 e 2012.

“O avanço das políticas públicas para as mulheres desde o governo Lula, viabilizado por meio da institucionalização, é inequívoco em relação aos governos anteriores – quando as mulheres só contavam com conselhos”, sustenta a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, lembrando a necessidade de se formular, implementar e monitorar políticas de gênero em favor das mulheres, que são 51% da população brasileira. “É fundamental que mantenhamos este projeto.”

Ministros e ex-ministros lembram que as pastas articulam políticas entre os diversos setores do governo – e que desempenham suas atividades com baixíssimo orçamento. “É mentira que, cortando esses ministérios, vai sobrar mais dinheiro para a saúde”, rebate o deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG), titular da Secretaria de Direitos Humanos entre 2003 e 2005. “Esses ministérios não têm impacto na economia: têm impacto sobre a redução das desigualdades. Com poucos funcionários, eles produzem impacto enorme na sociedade.”

Parte desse impacto, avalia, se deve justamente ao status ministerial a que foram elevados. “No governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) havia pequenas diretorias que cuidavam de homossexuais, mulheres e direitos humanos dentro do Ministério da Justiça”, lembra Nilmário Miranda, dizendo que as políticas públicas setoriais naquele então atingiam poucos brasileiros. “Isso significa que possuíam uma posição subalterna em relação ao polo dominante.”

“Um ministério que cuida de tudo tem dificuldades em ter foco em políticas para segmentos importantes, como negros e mulheres, que são maioria e experimentam situação de desigualdade”, reforça Edson Santos, ex-titular da Igualdade Racial. “Ao compararmos o custo para manutenção da secretaria e os avanços da luta racial no Brasil nos últimos 12 anos, fica claro – para quem coloca o racismo como um mal da sociedade brasileira – que valeu a pena construí-la.”

Edson Santos lembra que a Secretaria de Igualdade Racial foi “essencial” para a aprovação no Congresso Nacional de leis como o Estatuto da Igualdade Racial e das cotas para negros nas universidades federais e concursos públicos. “Isso vem mudando o perfil socioeconômico da população negra”, pontua. “Por isso, compensou e está compensando bastante a existência de um órgão com olhar para a questão racial dentro do governo. O Brasil é referência mundial nas políticas de redução de desigualdade e combate ao racismo.”

Para Eleonora Menicucci, somente a partir de órgãos institucionalizados, como a Secretaria de Políticas para as Mulheres, é possível colocar aos demais ministérios a necessidade de se adotar uma “perspectiva de gênero” na elaboração de políticas nas demais áreas. “O enfrentamento à violência doméstica ou à educação sexista e patriarcal não seria possível sem a secretaria”, exemplifica, lembrando o papel da pasta na aprovação da Proposta de Emenda à Constituição das empregadas domésticas.

Pepe Vargas também elenca alguns números para demonstrar a importância do Ministério do Desenvolvimento Agrário. “Nos últimos dez anos, a renda nos domicílios da agricultura familiar cresceu 52% acima da inflação. Em 2002, os agricultores familiares acessaram R$ 2,3 bilhões em crédito contratado. Em 2013, foram R$ 23 bilhões”, diz. “Os agricultores pegavam 12 vezes menos créditos que grandes produtores. Hoje, essa diferença caiu para seis vezes menos. Sem falar de políticas de aquisição de alimentos e assistência técnica rural.”

Para o ex-ministro, antes de votar, a população “tem que saber” as implicações do discurso favorável ao enxugamento de ministérios. “A vida real mostrou que, sem ministérios específicos, as políticas não aconteciam”, argumenta. “Se extinguir o MDA, vamos retornar ao período em que efetivamente não havia políticas públicas consistentes para a agricultura familiar.”