Orientação

Desencanto com Dilma e ambiguidade de Marina preocupam comunidade LGBT

Em cartilha voltada à orientação do voto em defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros, grupo indica partidos hostis, desfavoráveis, favoráveis e pró-LGBT

Divulgação

Documento está disponível na internet para download gratuito na página da LGBT Brasil

São Paulo –  Organizado pelas redes sociais desde os tempos do Orkut, o grupo LGBT Brasil lançou uma cartilha para subsidiar a escolha de candidatos que apoiem suas causas. O documento apresenta as principais críticas da comunidade ao “imobilismo e aos recuos” do governo da presidenta e candidata à reeleição Dilma Rousseff (PT) e à “ambiguidade” de sua principal adversária na disputa, Marina Silva (PSB), que, desde o último domingo (31), enfrenta a polêmica supressão da proposta favorável ao casamento civil igualitário do seu programa de governo.

O grupo afirma que define o PT como “desfavorável” pelo que chama de inércia do governo na defesa da criminalização da homofobia e da emenda do casamento civil igualitário, além dos recuos na implementação do programa (kit) “Escola sem Homofobia” e da portaria do Ministério da Saúde que autorizava a hormonização preparatória para cirurgia de mudança de sexo (transexualização) para pessoas a partir de 16 anos, com cirurgia a partir dos 18.

A portaria, lançada em agosto do ano passado, durou menos de 24 horas e foi cancelada por um “erro técnico”. Até hoje, o governo federal não elaborou uma nova portaria nesse sentido. O Conselho Federal de Medicina havia divulgado parecer favorável ao tratamento hormonal para mudança de sexo a partir dos 16 anos, quatro meses antes.

“Desencanto é a palavra que melhor expressa a percepção da militância LGBT em relação ao partido da presidenta Dilma Rousseff. Para manter-se no poder, o partido associou-se ao que há de mais atrasado (…). Nesse diapasão, a maior parte do partido e do governo Dilma falhou em cumprir compromissos com os sem-terra, com os índios e com a comunidade LGBT”, diz o documento.

Apesar das críticas, o PT tem vários candidatos “exceções”, pois muitos dos parlamentares são apoiadores históricos das pautas de direitos humanos, como a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), coautora do projeto de lei 5002/13, em parceria com o deputado federal Jean Willys (Psol-RJ), que regulamenta a mudança de nome de acordo com a identidade de gênero.

O grupo avalia o PSB como um partido favorável aos LGBT, mas tinha em Eduardo Campos, morto em 13 de agosto, o nome mais forte para a presidência. A “sombra” de Marina já era considerada um “problema” para o socialista desde então.

“Se Marina for a escolhida do PSB para concorrer à presidência da República em 2014, podemos dizer que a candidatura do partido perde a vantagem em relação aos candidatos do PT e do PSDB”, diz um trecho do documento. Não houve atualização do documento após a oficialização de Marina como candidata, mas as manifestações na página do grupo indicam que a posição se mantém.

Os tucanos também são considerados desfavoráveis, sobretudo após a atuação “obscurantista” nas eleições de 2010 (presidencial) e de 2012 (municipal em São Paulo), quando o aborto e o kit escolar, respectivamente, foram usados pelas candidaturas de José Serra.

No caso do aborto, havia uma “acusação” de que Dilma era a favor, chegando ao ponto da mulher do tucano, Mônica Serra, afirmar isso a uma professora em campanha no Rio de Janeiro. O assunto se alastrou pela internet, enviesou debates e culminou com a então candidata Dilma comprometendo-se a não encaminhar qualquer projeto sobre o assunto.

Em 2012, a discussão foi em torno do kit anti-homofobia, criado pelo Ministério da Educação para ser implementado nas escolas de todo o país, quando o candidato à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad (PT), era ministro. Serra dizia que o material tinha “aspectos ridículos e impróprios” e que se tratava de “doutrinação”. Para LGBTs, o material é importante para agir contra a discriminação desde a infância.

Já o Psol é considerado pelos organizadores o partido com melhor perspectiva para voto nas eleições. “Não há representantes do partido na Frente Parlamentar Evangélica, e a sigla foi a segunda em número de candidatos a deputado federal que assinaram o termo de compromisso da Associação Brasileira de Gays Lésbicas e Transexuais, com 15 assinaturas, além da importante assinatura do seu candidato à presidência em 2010, Plínio de Arruda Sampaio”. Ontem (4), a candidata da legenda à presidência, Luciana Genro, assinou compromisso com as reivindicações LGBT.

O objetivo da cartilha é possibilitar que a comunidade LGBT conheça os candidatos que estão de acordo com o texto e também os que representam riscos aos interesses do grupo nas eleições deste ano. Em meio a tantos nomes, números, siglas e, sobretudo, motes batidos, como “defendo a saúde”, “educação de qualidade” e “contra a corrupção”, é um auxílio para subsidiar o voto “em candidatos que nos representem de fato nas eleições de 2014”. O grupo preparou a primeira cartilha para orientar a escolha nas eleições em 2012.

E, para estas eleições, preparou um material ainda mais completo e organizado, com explicações sobre identidade de gênero, estado laico e motivos para se organizar politicamente. E também sobre como são eleitos os deputados, implicações das coligações e quociente eleitoral, composição do Congresso Nacional, além de dicas para escolher candidatos alinhados com as demandas LGBT.

“O recrudescimento de crimes homotransfóbicos, as seguidas derrotas que os LGBTs têm sofrido no âmbito do legislativo e do executivo federal e o fortalecimento dos nossos opositores tornam urgente que nos mobilizemos e que passemos a priorizar a conquista de nossos direitos sobre todas as outras questões políticas atuais”, diz um trecho do documento.

As propostas defendidas por eles são a consolidação do casamento civil igualitário – com a aprovação de uma emenda constitucional para evitar que o direito possa ser revogado – a criminalização da homofobia e a mudança de nome de acordo com a identidade de gênero.

O grupo também se dirige diretamente aos evangélicos, em uma carta que esclarece não pretender amordaçar quem quer que seja, mas que o grupo também não aceitará ser tratado “como cidadãos de segunda categoria.” A carta ainda chama a atenção para candidatos que, baseando-se apenas num conceito vazio de defender a família, atacam os LGBT, mas não apresentam propostas para resolver problemas sociais. “Os cristãos de verdade têm que tomar cuidado com esses impostores.”

A cartilha divide os partidos em hostis, desfavoráveis, favoráveis e francamente prós aos LGBT. Utiliza, para tanto, as atitudes dos parlamentares de cada partido quanto às votações envolvendo causas LGBT no Congresso, participação dos membros na Frente Parlamentar Evangélica e as posições defendidas nos sites dos partidos. O grupo explica, partido a partido, os motivos para indicar, ou não, o voto em cada um deles.

São considerados hostis: Partido da República (PR), Partido Republicano Progressista (PRP), Partido Progressista (PP), Partido Social Cristão (PSC), Partido Trabalhista Cristão (PTC), Partido da Social Democracia Cristã (PSDC), Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), Partido Humanista da Solidariedade (PHS), Partido Trabalhista do Brasil (PTdoB), Partido Social Democrático (PSD), Partido Republicano Brasileiro (PRB), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Democratas (DEM), Partido Republicano da Ordem Social (Pros), Solidariedade (SDD), Partido Ecológico Nacional (PEN).

Para o grupo, essas legendas devem ser evitadas em qualquer eleição, bem como qualquer coligação da qual façam parte, já que abrigam alguns dos principais opositores aos LGBT, como os deputados federais Marco Feliciano (PSC-SP) e Jair Bolsonaro (PP-RJ). Ou têm uma atuação negativa, a exemplo do PTB, que tem uma setorial LGBT, mas dois de seus senadores votaram por anexar a criminalização da homofobia a reforma do código penal, dificultando a aprovação, e outros dois se abstiveram.

Os organizadores consideram desfavoráveis o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), PCdoB (Partido Comunista do Brasil), Partido Trabalhista Nacional (PTN), Partido da Mobilização Nacional (PMN), Partido da Pátria Livre (PPL), Partido da Causa Operária (PCO), Partido Social Liberal (PSL) e o Partido dos Trabalhadores (PT).

Segundo a cartilha, esses partidos atuam ora no apoio, ora ignorando as pautas LGBT, de acordo com as conveniências políticas, mas o grupo esclarece que há partidários dessas legendas que se destacam do restante em defesa de Lésbicas, Gays, Bisexuais, Transexuais e Transgêneros.

Já entre os favoráveis figuram o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido Verde (PV). São partidos que adotaram as pautas LGBT aos seus programas, mas que ainda demandam atenção quanto a membros ligados à Frente Parlamentar Evangélica ou que atuam contra as reivindicações da comunidade.

O Partido Popular Socialista (PPS), Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Partido Socialismo e Liberdade (Psol) são destacados como partidos “francamente pró-LGBT”, por atuarem “inequivocamente” em prol dos direitos LGBT.

Por serem majoritariamente de esquerda – com exceção ao PPS, frequentemente aliado com partidos de direita – os organizadores da cartilha fazem um adendo curioso, alegando que “os LGBTs de direita não devem se abster de votar em candidatos LGBTs de esquerda na atual ausência de partidos à direita que apoiem as demandas e os direitos humanos de LGBTs”. E citam que, na Europa, partidos conservadores em quesitos econômicos incorporam a agenda da comunidade.

A RBA tentou contatar os organizadores da cartilha, mas não obteve retorno.

Ouça abaixo a entrevista do ativista Toni Reis para a Rádio Brasil Atual sobre questão dos direitos LGBT e retrocesso no programa de governo da candidata à presidência, Marina Silva.