Falta de vontade

Maioria das escolas desrespeita a lei e não aborda ensino antirracista

Ensino de história e aspectos afro-brasileiros não está presente de forma correta em mais de 70% dos municípios brasileiros

Pedro Ribas/ANPR
Pedro Ribas/ANPR
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) participa ativamente deste processo de diálogo

São Paulo – Mais de 70% das cidades brasileiras não adotam o ensino sobre a história afro-brasileira. O Instituto Alana e Geledés Instituto da Mulher Negra divulgou esta informação como parte de uma pesquisa, intitulada Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira. O ensino para valorização da cultura negra e de combate ao racismo é obrigatório no país desde 2003. Naquele ano, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou a medida.

A pesquisa ouviu gestores de 1.187 municípios de todas as regiões do país. Constatou-se que 29% das secretarias têm ações consistentes e perenes de atendimento à legislação; 53% fazem atividades esporádicas, projetos isolados ou em datas comemorativas, como no Dia da Consciência Negra (20 de novembro); e 18% não realizam nenhum tipo de ação. As secretarias que não adotam nenhuma ou poucas ações, juntas, somam 71%.

Falta de vontade

Muitas das cidades alegam falta de orçamento para aplicação da lei. Contudo, a falta de vontade também compõe o cenário. “Os municípios alegam como principais desafios para implementação da lei a ausência de apoio de outros entes governamentais e a falta de conhecimento de como aplicar a legislação. Há indicação do baixo engajamento ou a resistência de profissionais a esse tema. Temos algumas frentes que a gente pode incidir para implementação da lei”, explica a analista de políticas públicas do Instituto Alana, Beatriz Benedito.

A sócia e consultora em Educação de Geledés, Tânia Portella, também pondera que, especialmente, nos últimos seis anos, o país passou por um desmonte das políticas públicas na área da Educação. Contudo, estes períodos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) não justificam totalmente o caso. “O estudo mostra que não se leva a sério uma legislação, uma política pública. É compreensível que enfrentamos período longo sem investimento na área, o que não pode ser visto como justificativa. Não dá para ter uma educação de qualidade se não pensar em um ensino antirracista, uma sociedade mais justa, se não tiver uma educação antirracista.”

Falta de profundidade no ensino

O Estatuto da Igualdade Racial (Lei 122.288/2010) também versa sobre o tema. Em seu artigo 11 está explicito que “nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, é obrigatório o estudo da história geral da África e da história da população negra no Brasil”.

O dispositivo, em seu parágrafo 1o ainda detalha que os conteúdos resgatarão “sua contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural do país”. Entretanto, estas previsões são distantes da realidade. A pesquisa percebeu que a grande maioria das atividades é restrita a temas lúdicos, como música, dança e culinária. “As participações ficam somente nessa linha de abordagem. A população negra contribuiu muito mais, na tecnologia, na escrita. Isso diz muito sobre hierarquização de saber e relações de poder”, explica Tânia.

“É preciso lidar com entendimento de porque temos uma sociedade racista, a juventude negra é morta, mulheres negras morrem mais no parto que brancas. Tudo está vinculado a fazer uma abordagem na escola, precisa ser problematizado também nas escolas”, completa a consultora.

Com informações da Agência Brasil