Economia global

Nações Unidas prevê crescimento menor para países em desenvolvimento neste ano

Relatório da Unctad divulgado hoje indica taxa de 4% e mostra que a recessão que se abate sobre o grupo reflete a volatilidade de capitais que já retornaram aos países desenvolvidos

Marcos Santos/USP Imagens

Mercados globais têm ligações tênues com desenvolvimento de longo prazo; instrumentos de política perdem eficácia

São Paulo – O crescimento das economias dos países em desenvolvimento – Brasil, China, Índia, Indonésia, Malásia, Rússia, África do Sul, Tailândia e Ucrânia – deve recuar este ano para 4% em média, agravando a desaceleração que começou em 2011 nesses países. A previsão está em relatório divulgado hoje (6) pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

Essa projeção, no entanto, depende de um crescimento robusto na região da Ásia. Antes da desaceleração, o crescimento anual desses países chegou a 7,8% em 2010. O relatório mostra que o desempenho da economia brasileira e a atual recessão não são casos isolados. Durante a última década, muitos países em desenvolvimento experimentaram um forte crescimento e melhoras nas contas correntes, acumulando, no conjunto, consideráveis reservas externas. A promessa de retornos mais elevados para os investimentos nesses países apresentou uma alternativa atraente para os investidores internacionais diante das baixas taxas de juros vigentes nas economias avançadas.

As entradas de capitais, no entanto, criaram pressões para a valorização das moedas domésticas. Contas de capital mais abertas também significaram que os governos tiveram de conduzir as políticas monetárias e fiscais levando em consideração as preferências do mercado financeiro internacional. Os estimados US$ 2 trilhões de carry trade (quando o investidor capta dinheiro a uma determinada taxa de juros em um país e aplica esse empréstimo em outra moeda, com juros maiores) em mercados de economias emergentes eram “um acidente esperando para acontecer”, segundo o relatório.

O documento também afirma que para a maioria das economias em desenvolvimento, a integração nos mercados financeiros globais teve, até o presente momento, ligações apenas tênues com as suas metas de desenvolvimento de longo prazo. Juntamente com os fluxos de capitais cada vez maiores e mais voláteis, exacerbando vulnerabilidades a choques externos, está havendo uma perda de eficácia dos instrumentos de política destinados a gerenciar o crescimento e o desenvolvimento.

Desde o início dos anos 2000, os fluxos de capitais privados para as economias em desenvolvimento e em transição aumentaram substancialmente. Os fluxos externos para esses países, como proporção da renda nacional bruta, aumentaram de 2,8% em 2002 para 5% em 2013, depois de atingir dois recordes históricos de 6,6% em 2007 e 6,2% em 2010. As preocupações com uma súbita ou substancial saída desses fluxos começaram com a desaceleração econômica e tornaram-se mais pronunciadas com o aumento da volatilidade dos últimos meses. Os laços estreitos entre os fluxos de capitais e os preços-chave da economia também aumentam o perigo de uma espiral deflacionária.

Em meados de 2015, os mercados financeiros globais revelaram preocupação com as recessões no Brasil, na Rússia e na África do Sul e com os sinais de desaceleração econômica na China. Os investidores globais, já antecipando uma subida das taxas de juros nos Estados Unidos e uma queda contínua nos preços das commodities, moveram-se rapidamente em direção à porta de saída, deixando os mercados de ações e títulos das economias emergentes.

“Administrar a volatilidade persistente dos fluxos financeiros de curto prazo exige como resposta políticas internacionalmente coordenadas”, disse o secretário-geral da Unctad, Mukhisa Kituyi, e não apenas uma correção financeira com poucas consequências sérias para a economia real. Com os países em desenvolvimento contribuindo com mais de 60% do crescimento global desde 2011, as repercussões das dificuldades recentes nos mercados emergentes poderiam ser amplamente sentidas.”

Nos países ricos

Diante de uma persistente falta de demanda, os países ricos precisam aumentar a despesa pública, aumentar os salários e estimular a demanda, a fim de revitalizar as suas economias e colocá-las na rota de um crescimento estável, diz o relatório da Unctad, defendendo receituário exatamente oposto ao que o pensamento dominante e conservador defende hoje como solução para a recessão no Brasil.

Como observa o relatório, o fenômeno da “estagnação secular” – economias avançadas experimentando uma desaceleração de longo prazo no crescimento econômico, não relacionada aos ciclos econômicos normais – voltou a ser o centro das atenções. Há pouca percepção, no entanto, de que as grandes forças em jogo que vêm restringindo a demanda dos consumidores e afetando o investimento privado são o declínio da participação dos salários (cerca de dez pontos percentuais, em média, desde 1980) e a crescente desigualdade na distribuição da renda.

Como mostra o relatório, o crescimento da economia mundial em 2015 deve se manter mais ou menos inalterado em relação ao ano passado, em 2,5%, refletindo uma ligeira aceleração nas economias desenvolvidas, uma desaceleração moderada nas economias em desenvolvimento e um declínio mais acentuado nas economias em transição. Esta taxa é significativamente inferior à média de 4% dos anos pré-crise.

A incapacidade de muitos países desenvolvidos de retomar o dinamismo pré-crise, apesar de vários anos de política monetária acomodatícia, criou o que a Unctad denomina um “novo anormal”. No mundo excessivamente financeirizado de hoje, o estímulo à economia baseia-se indevidamente no crescente endividamento e em bolhas de ativos. De acordo com Mukhisa Kituyi, “oito anos após a crise financeira, o mundo claramente não descobriu como mudar a marcha para alcançar o desenvolvimento econômico global inclusivo e sustentável”.