Operação Condor

Ditaduras na América do Sul tiveram ‘liberalismo’ sem liberdade e vigilância dos Estados Unidos

Professor e ex-ministro Luiz Gonzaga Belluzzo vai comentar, em série, as políticas econômicas das ditaduras sul-americanas

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Ernesto Geisel passa o comando do país para João Figueiredo, o último general-presidente. Democracia só voltaria em 1985

São Paulo – Aspecto menos abordado na visão histórica sobre as ditaduras sul-americanas, a economia ganhará análises do professor e ex-ministro Luiz Gonzaga Belluzzo em série sobre a Operação Condor que será rodada a partir de fevereiro. Com exceção do Brasil, ele observa que os países adotaram um receituário “liberal”, acompanhado de extrema violência política. Em comum, a presença dos Estados Unidos na região.

Belluzzo demarca os anos 1970 como de recrudescimento político na América do Sul. Em 1973, por exemplo, Juan María Bordaberry assume no Uruguai e cria o Conselho de Segurança Nacional, com os militares. No mesmo ano, o Chile assiste ao golpe que depôs o presidente eleito, o socialista Salvador Allende, com a chegada ao poder de Augusto Pinochet. E em 1976 era a vez da Argentina: sai Isabelita Perón e entra uma junta militar, que indica o general Jorge Rafael Videla. O Brasil já carregava 12 anos de golpe, com rodízio de militares no poder.

Experiências neoliberais

“As ditaduras foram violentas e carregavam esse ideário liberal”, diz Belluzzo. Ele se recorda de, junto com o futuro ministro Dilson Funaro, então na Fiesp, ter assistido a uma palestra de Jose Alfredo Martínez de Hoz, ministro da Economia durante a ditadura argentina, que durou até 1983. Idealizador de um severo plano econômico, marcado pela desregulamentação, ele morreu em 2013, aos 87, em prisão domiciliar.

Como secretário de Relações Internacionais do governo paulista (gestão Fleury), também conheceu a longeva primeira-ministra Margareth Thatcher, cujas receitas neoliberais inspiraram muitos mandatários sul-americanos. Na época da guerra das Malvinas, lembra Belluzzo, “o Brasil jogava nas duas pontas”: apoiava oficialmente os argentinos, mas permitia que os ingleses abastecessem seus aviões em território nacional. Ele também se recorda de encontros com Roberto Campos, referência no liberalismo no Brasil. Na condição de ex-seminaristas, ambos mantiveram amistosas conversas “econômico-teológicas”.

Sobre a Argentina, o economista considera que o país – que chegou a ser a quinta economia mundial – está em declínio há décadas. “O que estamos assistindo é uma conclusão desse processo.” Até chegar a Javier Milei, que ele define como “caricatura fascista liberal”.

O “milagre” brasileiro

De certa forma, o Brasil difere de seus vizinhos na questão econômica, com seus planos de desenvolvimento. “Até o choque do petróleo, o Brasil cresceu a taxas muito elevadas e diversificou a sua economia”, diz Belluzzo, acrescentando que a participação da indústria de transformação chegou a 28% – hoje está em torno de 10%. Foi o período do chamado “milagre econômico”, até a recessão chegar. O crescimento não foi igualitário, observa, mas aconteceu. Faltou, segundo o economista, um programa de reparação das desigualdades, o que só começaria a ser pensado após a Constituição de 1988. Além disso, “você tinha uma lei de salários muito dura, muito rígida”.

O longo braço estadunidense foi algo em comum. O mundo vivia no contexto da chamada Guerra Fria, a disputa entre os blocos americano e soviético. Nesse sentido, tudo era visto como “ameaça comunista” – um pretexto, por sinal, que segue sendo usado. Belluzzo recorda-se de ter participado do programa Roda Viva, da TV Cultura, como um dos entrevistadores do embaixador americano Lincoln Gordon. “Ele claramente contou que, nas conversas com Kennedy (o presidente John Kennedy), eles tratavam do golpe no Brasil, com essa dimensão econômica.”

Havia outras dimensões também. “Os americanos não mandaram só consultores de técnicas de tortura, mas também assessores econômicos.”


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