Cortando na carne

Sob Bolsonaro, salário mínimo perdeu poder de compra e trabalhador aumentou jornada para comprar cesta básica

Apenas o tempo médio para comprar os produtos básicos aumentou 32%. Se plano de Guedes valesse desde 2002, atual piso seria 58,6% menor

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São Paulo – O plano de congelar o valor do salário mínimo, conforme divulgado nesta semana, mostra coerência com o que o foi a “política” do atual governo para o piso nacional. Na gestão Bolsonaro, a política de valorização do salário mínimo, que chegou a ser lei, foi abandonada. Com isso, mais a inflação crescente, o poder de compra caiu gradativamente, exigindo jornadas extensas e consumindo maior parcela da renda líquida para, por exemplo, comprar os produtos da cesta básica.

Em janeiro de 2018, primeiro mês do governo Bolsonaro, o salário mínimo calculado pelo Dieese para aquisição dos produtos básicos por uma família de quatro pessoas correspondia a 3,9 vezes o piso oficial. No último dado, setembro deste ano, corresponde a 5,2 vezes.

Além disso, também em janeiro de 2018 o tempo médio para comprar os produtos da cesta básica foi de 89 horas e 29 minutos. No mês passado, a jornada aumentou para 118 horas e 14 minutos. Ou 32,1% a mais nesse período.

Política oficial

Outra comparação reforça a perda de poder aquisitivo. Quatro anos atrás, o trabalhador remunerado pelo mínimo comprometia 44,2% de sua renda líquida para adquirir os produtos. Agora, comprometeu 58,1%.

Assim, com mobilizações das centrais sindicais, desde 2005 (governo Lula) o salário mínimo passou a ter uma sistemática de aumentos. Essa política tornou-se lei em 2011 (Lei 12.382). Previa reajuste pela inflação (INPC) do ano anterior e aumento real equivalente à variação do PIB de dois anos antes. Em 2015 (governo Dilma), a política foi renovada por meio da Lei 13.152, com validade até 2019. Desde então, não houve mais política oficial para o mínimo.

Perto de 50 milhões de pessoas têm remuneração com referência no salário mínimo. Esse contingente inclui aposentados, empregados, trabalhadores por conta própria e no serviço doméstico. Todos ameaçados pela disposição da atual equipe econômica de não reajustar os valores, em caso de reeleição.

Cálculo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), simula os efeitos da política-Guedes para o salário mínimo caso as regras tivessem sido implementadas em 2002. Em vez dos atuais R$ 1.212, o piso seria de R$ 502 – ou menos 58,6%.