Sanha privatista

‘Acho que Paulo Guedes enlouqueceu’, afirma Miriam Belchior sobre privatizações

“Enquanto todos os países montam planos de reconstrução nacional, por causa da crise provocada pela pandemia, ele continua no samba de uma nota só da privatização”, critica ex-ministra

Fabio Rodrigues Pozzebom
Fabio Rodrigues Pozzebom
Para Miriam Belchior, ministro da Economia não consegue sair da caixinha ultraneoliberal em que se enfiou

São Paulo – Indiferente à pandemia de coronavírus e atento a sua agenda ultraliberal, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse neste domingo que o governo deve anunciar em breve as privatizações de quatro grandes estatais. Ele não citou expressamente quais, mas confirmou que os Correios estão na mira. “Está na lista seguramente, só não vou falar quando. Eu gostaria de privatizar todas as estatais.”

A Eletrobras é outra estatal a ser vendida.

“Acho que ele enlouqueceu”, afirma a ex-ministra do Planejamento Miriam Belchior. “Enquanto todos os países estão montando planos de reconstrução nacional, por causa da crise provocada pela pandemia de coronavírus, ele continua no samba de uma nota só de falar de privatização.”

Para ela, ao contrário do que Guedes defende, o país, para crescer e criar empregos, precisa de investimento público. “Não tem plano B. Ele não consegue sair da caixinha ultraneoliberal em que se enfiou”, critica Miriam.

De mão beijada

Segundo Guedes, o Planalto vai anunciar planos para as grandes privatizações em “30, 60 a 90 dias”. Essa não é a primeira vez que ele afirma querer privatizar “todas as estatais”. A mesma frase foi dita ao jornal Valor Econômico em setembro de 2019.

“Assim como o presidente da República nega a pandemia, o ministro da Economia nega que o país vai entrar em uma pindaíba gigante e não vai ser com privatização, muito menos privatização de patrimônio nacional, a área de energia, que vai solucionar o problema de necessidade de crescimento e de criação de empregos”, observa Miriam. “Quero saber o que essa privatização (da Eletrobras) vai gerar de emprego.”

O resultado, na visão da ex-ministra de Dilma Rousseff, será “jogar fora” o patrimônio. Inclusive, dado o quadro de crise mundial, eventuais compradores vão querer pagar preço muito abaixo do valor real. “Vamos entregar de mão beijada. É uma insanidade.”

Risco à segurança

Para a eventual privatização da Eletrobras, os governistas dependem da boa vontade do Congresso, mas o tema é delicado e encontra resistências na Câmara.

A ex-ministra acredita que é preciso haver mobilização dos partidos de centro-esquerda no Congresso Nacional, por parte dos funcionários das empresas, dos parlamentares que consideram a energia estratégica e também de movimentos sociais.

“O suprimento de energia não ser controlado de forma pública é um risco gigante para a segurança do país. Segurança econômica e mesmo física. Se alguém quiser nos atacar, se controlar a energia, tem um grande trunfo na mão”, alerta Miriam Belchior.

A privatização da Eletrobras e dos Correios teria consequências semelhantes. “Quero saber quem vai entregar produtos nas periferias, porque hoje as empresas privadas que fazem entrega de mercadorias vendem o serviço para alguém postar no correio, para o correio entregar. Como as mercadorias vão chegar nos lugares mais distantes e também nas periferias dos grandes centros urbanos?”, questiona. Da mesma maneira, o fornecimento de energia a locais não rentáveis para empresas pode ser seriamente comprometido.

Em janeiro, em entrevista à TV Record, o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, do Ministério da Economia, Salim Mattar, justificou por que os Correios têm de ser privatizados. “Não faz sentido mais ter uma empresa para entregar cartas se ninguém mais escreve cartas”, disse.

Saneamento

No caso do saneamento, o problema seria semelhante. “Os pequenos municípios vão ser prejudicados, porque são o osso, e tem município que é a carne. As  empresas só vão querer os municípios rentáveis, só vão querer a carne”, diz Miriam. “E o país vai ficar sem saneamento? É isso que vai acontecer com essa privatização do setor de saneamento do país. Esse é o debate que precisa ser feito sobre os efeitos dessas medidas.”

Na quarta-feira (24), o Senado aprovou o novo marco legal do saneamento básico. O Projeto de Lei (PL) 4.162/2019 facilita a privatização da água por meio da concessão de serviços de estatais do setor para empresas que visam ao lucro.