entrevista

‘Democracias modernas estão solapadas pelo capital’, diz economista

Professor Guilherme Mello, do Instituto de Economia da Unicamp, diz que empresas e mercado, pelo financiamento de campanha e especulações, têm peso decisivo na vida política dos países

arquivo/EBC

Relação entre crise econômica e crise política é especulativa, diz Guilherme Mello

São Paulo – Para o professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon) Guilherme Mello, a volatilidade do mercado financeiro, que repercute decisões da política com o sobe e desce da Bolsa de Valores e do dólar expressa a opinião majoritária de setores do mercado. Mello diz que não é só no Brasil que setores do empresariado e do mercado financeiro tentam se apoderar da política, apontando esse como um dos principais fatores da crise das democracias modernas, mas lembra que “empresa não vota”.

Em entrevista à Rádio Brasil Atual, Mello lembra que essa volatilidade de curto prazo, contudo, pouco afeta o dia a dia do trabalhador. “Sobre os efeitos de mais longo prazo, diria que um câmbio mais desvalorizado beneficia os exportadores e a indústria nacional, mas pressiona a inflação e reduz o salário real do trabalhador em dólar”, analisa.

Sobre a inflação, Mello afirma que a tendência é que os índices não repitam os números elevados de 2015, caiam ao longo de 2016 e se aproximem do teto da meta de inflação, de 6,5%. Já com relação às taxas de juros, Mello cobra postura mais ousada das autoridades monetárias, principalmente frente ao quadro atual quadro recessivo.

Constante sobe e desce da dólar e Bolsa de Valores coincide com os desdobramentos da crise política que o país vive atualmente. Qual a relação entre uma coisa e outra?

Essa relação é especulativa, na realidade. Do que se tratam essas variações dos índices financeiros quando se tem notícias políticas? Na verdade, se trata da revelação de uma opinião média, ou majoritária, de setores do mercado financeiro. Em geral, costumamos ver que quem vota são os cidadãos. As empresas não votam e o mercado financeiro também não vota.

Na realidade, toda a literatura política internacional tem mostrado que as democracias modernas estão sendo profundamente solapadas pelo poder do capital, o poder do dinheiro. Um dos aspectos desse solapamento, dessa transformação, das democracias modernas é exatamente esse. É que as empresas e o mercado financeiro, através do financiamento de campanha e dos movimentos especulativos, passam a ter um peso decisivo na vida política dos países. Passam a ter um peso muito maior do que deveriam ter, uma vez que eles não são cidadãos, não são partícipes do dia a dia da política.

O que se observa são tentativas de setores do mercado financeiro de influenciar na decisão soberana dos cidadãos brasileiros. Isso não acontece só no Brasil, acontece na Grécia, em vários outros países sul-americanos e em desenvolvimento, mas também em países grandes e mais desenvolvidos. Por exemplo, temos um caso clássico agora nos Estados Unidos, com Bernie Sanders, que é um candidato democrata que se diz socialista. Claramente há certa aversão do mercado financeiro a esse tipo de candidatura.

Essa é uma temática geral das democracias, onde o que se vê é uma tentativa de influência, de parte dos agentes financeiros, nas decisões da população. É como se dissessem ‘Tudo bem, vocês podem até votar e escolher os governantes, mas quem, de fato, vai governar somos nós’.

Qual seria o reflexo dessa variação do dólar e da bolsa na vida do trabalhador?

Depende muito de nós sabermos qual é a duração dessa especulação. Essa variação pontual, agora, como o dólar que se desvaloriza com a perspectiva de impeachment da Dilma, ou o inverso, acontece no curto prazo, no prazo de dias. Dependendo do que acontecer, essa variação é ‘devolvida’, não está representando uma mudança estrutural. A Bolsa cair ou subir, em um dia ou outro, não faz muita diferença. Na vida do trabalhador, essas variações de curto prazo têm pouco impacto.

Agora, se essas oscilações continuarem por um prazo muito longo e, mais do que isso, se essas mudanças de preço representarem não só uma especulação de curto prazo, mas uma mudança de patamar, se o dólar cair de R$ 4 para R$ 3,60, isso tem influência. Tem que se separar os efeitos especulativos de curto prazo dos efeitos mais estruturais, de longo prazo.

Sobre os efeitos de mais longo prazo, diria que um câmbio mais desvalorizado beneficia os exportadores e a indústria nacional, mas pressiona a inflação e reduz o salário real do trabalhador em dólar. O trabalhador é beneficiado porque, no futuro, terá mais e melhores empregos, mas, no momento presente, vai sentir mais inflação e uma capacidade menor para adquirir produtos importados. Um câmbio mais valorizado é o contrário. Fica mais fácil viajar, comprar um vinho importado etc, mas isso destrói a nossa indústria. Hoje, você se sentiria melhor, com menos inflação, podendo viajar mais, mas amanhã é possível que você perca o emprego, porque a estrutura produtiva vai enfraquecendo.

A gente sabe o efeito imediato da inflação no bolso do trabalhador. Com todos esses movimentos e boatos, o governo conseguirá controlar a inflação?

Não vai ser o resultado ruim que tivemos no ano passado, isso é uma absoluta certeza. Em 2015, tivemos inflação superior a 10%, causado por uma série de mudanças feitas ao mesmo tempo na economia, como o aumento do preço da energia elétrica, que estava represado – governo tinha segurado o preço e teve que aumentar –, tinha segurado o preço dos combustíveis, e teve que aumentar, fez uma grande desvalorização cambial que, como expliquei, quando o real se desvaloriza a inflação sobe, porque os preços dos produtos importados ficam mais caros, com impactos de curto e médio prazo. Também tivemos problemas climáticos, uma série de problemas que levaram a inflação para 10,5%. Neste ano, a inflação já começa a dar sinais de queda.

O que nós vamos observar é uma queda constante e que, provavelmente, levará a inflação para mais próximo do teto da meta, que é de 6,5%. O centro da meta de inflação é de 4,5%, com uma banda de variação de 2%, acima ou abaixo. A gente vai ver a inflação caminhar para fechar o ano próximo desses 6,5%, muito provavelmente. Mas isso depende de vários fatores. Um deles é o câmbio. Se o real se valorizar, é provável que a inflação caminhe para 6,5% mais rapidamente. Por outro lado, a notícia ruim de um real mais forte é que a recuperação da indústria vai ser mais lenta.

Ao mesmo tempo, tem outros fatores. Quanto mais forte a recessão, mais rapidamente a inflação vai cair. No entanto, tem um lado ruim. Com uma recessão muito forte, não é só a inflação que cai. O salário cai, a renda cai, o emprego cai. O cenário da inflação é esse: convergir para o teto da meta, mas o resultado final vai depender de algumas dessas variáveis que, hoje, nós não conhecemos exatamente, até porque o clima de incerteza política e econômica ainda é muito grande.

Com relação à taxa básica de juros, e o caminho que o Copom tem tomado, pela manutenção da Selic em 14,25%, há expectativa de diminuição ou a taxa deve se manter estável? A decisão tem sido acertada com relação ao controle da inflação?

Acho que o Copom, como quase todos os bancos centrais do mundo, é bastante conservador. Tem o objetivo de controlar a inflação e segue isso a ferro e fogo, mesmo que isso cause impactos negativos, seja na atividade econômica, seja nas contas públicas. Para o Copom, importa trazer a inflação para dentro da meta. O problema é que esses juros elevados – e os juros brasileiros estão entre os mais elevados do mundo, enquanto todo o mundo está baixando os juros, estamos, no máximo, mantendo – têm um papel pouco importante na contenção da inflação, porque o país já está em recessão. O crédito já está escasso e não vai ser 0,25 ou 0,5 que vai fazer muita diferença em relação à inflação, mas tem um custo muito alto para o país, em particular para as contas públicas.

Esses juros são pagos sobre a dívida. Quanto maiores os juros mais o governo paga, mais dinheiro sai do governo e vai direto para o bolso dos especuladores. Acredito que o BC poderia, a partir da próxima reunião, adotar uma postura um pouco mais ousada, de começar a reduzir a taxa Selic e se alinhar com o resto do mundo, que está reduzindo os juros, seja para ajudar na recuperação econômica e tirar o país da recessão, seja para ajudar também a recuperar as contas públicas e fazer com que o governo gaste menos com juros, que vão direto para o bolso do especulador. Esta seria a decisão mais acertada, até porque não vejo como uma eventual redução amentaria a inflação. Não acho que vá influenciar profundamente nos índices inflacionários no próximo ano.

Ouça a entrevista da Rádio Brasil Atual: