No Rio, secretaria de Cabral contra dependência química fica na promessa

Nova secretaria estadual ainda não tem estrutura de funcionamento, 16 dias após criação, e ações da prefeitura esbarram na falta de vagas para o acolhimento de dependentes

Nos primeiros meses de 2013, já foram realizados 530 acolhimentos de dependentes químicos no Rio de Janeiro (Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil)

Rio de Janeiro – Dezesseis dias após ter sua criação oficializada em decreto assinado pelo governador Sérgio Cabral, a Secretaria Especial de Prevenção à Dependência Química do Rio de Janeiro ainda não deixou o terreno das boas intenções para ganhar a vida real. Apesar da concorrida cerimônia, realizada no Salão Nobre do Palácio Guanabara, que reuniu políticos e religiosos para a confirmação do deputado federal Filipe Pereira (PSC) como titular da nova pasta – a 24ª do governo Cabral –, a secretaria ainda não tem estrutura montada nem metas de atuação definidas.

No portal do governo do Rio de Janeiro na internet, onde existem links para todas as outras 23 secretarias com contatos e endereços, a Secretaria de Prevenção à Dependência Química permanece ausente. Pesquisas em sites de busca com o nome da nova secretaria indicam um endereço na Praça Pio X, no centro do Rio, e um número de telefone que se mantém permanentemente ocupado e para o qual é impossível completar uma ligação. Por intermédio de sua assessoria, o governo admite que a nova secretaria ainda não tem uma estrutura operacional.

Já nomeado, o futuro secretário se licenciou de seu mandato na Câmara dos Deputados, mas ainda está trabalhando em seu escritório particular no Rio de Janeiro. Procurado por quatro dias pela reportagem para falar sobre as metas políticas, os recursos financeiros, as atribuições e as expectativas da nova secretaria, Filipe Pereira não retornou às ligações e e-mails.

No dia da criação da secretaria, Pereira disse que sua primeira ação à frente da pasta será fazer um levantamento do número de vagas disponíveis para a internação que poderão ser utilizadas através de convênios em todo o estado. O secretário disse ainda que a internação involuntária de usuários de crack, medida adotada recentemente pela prefeitura do Rio de Janeiro, deve ser acompanhada de laudos médicos e do Ministério Público: “Agora temos que focar na necessidade que a secretaria tem de abrir vagas para que a internação seja possível, seja ela compulsória ou não”.

No governo municipal, onde as operações de combate ao crack coordenadas pela Secretaria de Desenvolvimento Social (SMDS) tiveram início em 31 de março de 2011, foram realizadas até hoje 155 ações nas principais “cracolândias” do Rio. Ao todo, segundo a SMDS, foram feitos 6.714 acolhimentos, sendo 5.902 adultos e 812 crianças e adolescentes.

Nos dois primeiros meses de 2013, já foram feitos 530 acolhimentos (504 adultos e 26 adolescentes) em dez operações conjuntas realizadas pela SMDS e por órgãos de segurança para o enfrentamento à epidemia do crack na cidade. Com a internação involuntária, o número de acolhimentos deverá crescer em relação ao ano passado (3.260 acolhimentos, sendo 2.922 adultos e 338 crianças e adolescentes), quando foram realizadas 82 operações, e a 2011 (2.924 acolhimentos, sendo 2.476 adultos e 448 crianças e adolescentes), que teve 63 operações.

Faltam vagas

Indagado sobre a importância da criação da Secretaria de Prevenção à Dependência Química pelo governo estadual e a possibilidade de realização de ações conjuntas de combate ao crack, o vice-prefeito Adilson Pires (PT), que também é secretário municipal de Desenvolvimento Social, afirmou, por intermédio de sua assessoria, que “a sinergia com o governo estadual é constante” e que “as ações sociais realizadas pela SMDS nas cracolândias da cidade tiveram, desde o início, o apoio dos órgãos de segurança pública, ligados ao governo estadual”.

Se o novo secretário estadual de Prevenção à Dependência Química fizer o estudo que pretende sobre o número de vagas disponíveis para a internação de usuários de crack, verá que o estabelecimento de parcerias e ações coordenadas com as diversas prefeituras fluminenses é fundamental. A cidade do Rio, segundo a Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, já sofre um colapso no que se refere ao atendimento e, sobretudo, ao acolhimento de vítimas da dependência química.

Essa deficiência é ainda mais grave se for levado em conta apenas o atendimento a menores de idade. De acordo com a SMDS, o município, além de atender ao crescente número de usuários locais que passam por internação – voluntária ou não – na cidade, ainda atende a menores usuários vindos de municípios da Baixada Fluminense como Duque de Caxias, Nova Iguaçu e Belford Roxo.

‘Deus à frente’

Durante a cerimônia da nomeação de Filipe Pereira, o governador Sérgio Cabral disse que a nova pasta terá “foco na prevenção e reabilitação de dependentes” e que “vai desenvolver parcerias com instituições que já desenvolvem trabalhos com dependentes químicos”. Cabral prometeu ainda dar ao orçamento anual da secretaria recursos relativos a 2% da arrecadação de ICMS com fumo e álcool no estado: “Não temos a ilusão de acabar com o tráfico de drogas, mas precisamos trabalhar para o Rio se tornar referência na redução do consumo”, disse.

A nomeação do novo secretário foi muito festejada pelo PSC, que ganha sua segunda pasta no governo Cabral e, com isso, confirma seu apoio à candidatura do vice-governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) em 2014. Vice-presidente nacional do partido e pai de Filipe, o pastor Everaldo Pereira abençoou a nova pasta e deu um conselho. “O primeiro passo a dar nesse projeto é colocar Deus à frente. E, tendo Deus à frente desse projeto, já deu tudo certo. A luta vai ser grande, porém, se Deus é por nós, quem será contra nós?”, disse.