Responsabilidade

Sequestro do ônibus no Rio: a conduta da imprensa diante da tragédia

"Se algum membro da imprensa, ao narrar o fato, o fizer de uma maneira exasperada, do meu ponto de vista, colocando adjetivos impróprios, só está contribuindo para piorar a situação", diz tenente-coronel aposentado da PM

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Sequestro de ônibus durou aproximadamente três horas e meia

São Paulo – Na manhã desta terça-feira (20) um homem foi baleado e morto por um atirador de elite do Batalhão de Operações Especiais (Bope) do Rio de Janeiro, após três horas e meia do sequestro de um ônibus. Os 37 reféns foram liberados sem ferimentos, de acordo com informações da Polícia Militar do estado.

Os tiros foram disparados às 9h04 e o homem foi atingido após ter descido do veículo, no momento em que subia a escada de volta. De acordo com o porta-voz da corporação, a arma utilizada pelo homem era falsa.

Segundo o tenente-coronel aposentado da Polícia Militar do estado de São Paulo Adilson Paes de Souza, a mídia de forma geral, ao tratar do assunto, precisa ser muito cuidadosa. “Óbvio que um fato desses chama a atenção e desperta as mais variadas reações. Contudo, falando precisamente da imprensa, esses profissionais têm de ter uma tremenda responsabilidade nesse momento, porque de acordo com o tom e a maneira como transmitem o fato podem ajudar a agravar a situação”, pontua Paes de Souza, doutorando em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP.

“Todos nós que presenciamos por qualquer meio, rádio, TV, internet ou pessoalmente, somos vítimas secundárias ou terciárias dessa violência. Somos afetados. Nós vivemos em uma sociedade de espetáculo e isso não é de hoje, e vivemos um momento particular no Brasil, um ambiente de tensão que já agrava por si só a percepção das pessoas em relação aos fatos do dia a dia. Se algum membro da imprensa, ao narrar o fato, o fizer de uma maneira exasperada, do meu ponto de vista, colocando adjetivos impróprios, só está contribuindo para piorar a situação”, argumenta o especialista, em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, na Rádio Brasil Atual.

No momento da entrevista, que teve início às 8h22, o sequestro ainda estava em andamento, mas o pesquisador já demonstrava preocupação em relação ao desfecho. “Eu vi agora na TV umas duas ou três emissoras em que o repórter reiteradas vezes dizia ‘o bandido’… Esse tipo de descrição ajuda a exacerbar os ânimos e pode até de alguma maneira contribuir para uma tomada de decisão de como será o desfecho dessa ocorrência, porque poderá sim, não estou afirmando, colaborar para que alguém tome uma decisão.”

Ele também destacou o que classificou como estética de guerra da cobertura televisiva. “Vi a cena de um atirador de elite, chamado sniper, se posicionando em cima de um outro veículo, e o close que determinadas emissoras de TV dão a isso é o caso da estética da guerra, e isso preocupa. Nossa sociedade já está muito afetada com o discurso da violência, do extermínio, da morte. O Rio, por exemplo, é um estado da federação onde o fato de ser suspeito já faz com que a pessoa mereça ser morta. Os números não mentem. O discurso das autoridades no Rio principalmente é um horror.”

“Hoje, o alcance das mídias tradicionais e das novas tecnologias é muito maior e isso influencia mais as pessoas. Os profissionais têm que ter mais responsabilidade. Quem faz a cobertura tem que ser o mais profissional possível e entender que, dependendo do que falar e como falar, poderá colocar vidas em jogo.”

Confira a íntegra da entrevista partir de 1:05:49:

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