São Paulo

Urbanistas criticam revisão do Plano Diretor em benefício da especulação imobiliária

Revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo atende aos interesses de grandes construtoras e de especuladores em primeiro lugar

Paulo Pinto/Agência Brasil
Paulo Pinto/Agência Brasil
Revisão do PDE faz o oposto do que deveria. Amplia a especulação, aumenta o trânsito e corta árvores

São Paulo – A Câmara dos Vereadores de São Paulo começa hoje (26) a votar a revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE). A nova versão da lei que orienta o desenvolvimento da maior cidade do Brasil estava marcada, originalmente, para 2021. Contudo, a pandemia de covid-19 e embates sobre a matéria adiaram a apreciação. O texto que passa por votação carrega inúmeras críticas de arquitetos, urbanistas e movimentos sociais. A valorização da especulação imobiliária em detrimento do bem-estar e de medidas para reduzir o déficit habitacional está no centro do debate.

Isso porque a revisão prevê pontos como a possibilidade de prédios mais altos e mais caros em zonas maiores do que antes. Mais vagas de garagem. Prédios mais altos, mais distantes do centro, o que pode significar o aumento do trânsito e dos gargalos viários. Também está em jogo a preservação histórica. Com a revisão, bairros tradicionais com construções seculares podem dar lugar a prédios. Prédios, estes, pouco destinados à moradia. Muitos com apartamentos minúsculos, de 18 a 50 metros quadrados, que servem de investimento para ricos que deixam as unidades paradas, servindo à especulação, ou colocam para aluguel em plataformas como Airbnb.

A revisão do Plano Diretor

Mais de 160 entidades da sociedade civil e representantes de urbanistas assinaram uma carta contra a matéria. Eles pedem a modificação do texto, além da ampliação dos debates. É o que explica a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanista (FAU) da USP Raquel Rolnik. “Na revisão atropelada do Plano Diretor é exatamente isso que está em jogo: o lucro deles à custa do bem estar da população. Não dá para seguir pelos próximos anos com uma política que não levou em conta estudos e as vozes da sociedade civil, e vai piorar os problemas da cidade”.

Para a especialista, coordenadora do LabCidade, o plano como está “vai piorar a crise de moradia ao aumentar as remoções em áreas ocupadas pela população mais pobre”. Além disso, como já exposto, mais trânsito, menos áreas verdes e privilégio aos especuladores.

O urbanista Fernando Túlio, pesquisador da ETH Zurique (Suíça), reforça as críticas. Para ele, a revisão coloca em xeque o Plano Direitor de 2014, premiado internacionalmente, aprovado durante o governo do prefeito Fernando Haddad (PT), sob relatoria do então vereador, o urbanista Nabil Bonduki. “A revisão desfigura o premiado Plano Diretor Estratégico de 2014 e incorpora apenas propostas do setor imobiliário, cujos objetivos visam majoritariamente o lucro, em detrimento da qualidade de vida da população da cidade”.

Visão do relator

Um dos grandes nomes por trás do PDE original, Bonduki, também é professor da FAU-USP. Ele apela pela rejeição da reforma. “O Plano Diretor é uma política de Estado. Não pode ser resultado apenas de uma maioria circunstancial de vereadores, movida sabe-se lá por quais interesses. (…) O texto descaracteriza a estratégia urbanística, ao promover a elitização do eixos e a dispersão de verticalização s/ limites, entre vários problemas. Por isso, sua votação, prevista para hj, precisa ser adiada”, afirma.

O PDE original, embora avançado, teve suas externalidades. Uma delas foi a construção descontrolada de prédios em determinados bairros, como Pinheiros e Perdizes, na zona Oeste, e no Tatuapé, na Leste. Para Bonduki, a revisão ideal deveria corrigir erros. Contudo, o que está em votação é a ampliação dos problemas. “Só tem sentido revisar o Plano Diretor se for para corrigir distorções e problemas identificados na sua implementação. O substitutivo apresentado pela Câmara faz exatamente o contrário”, afirma.

“Propõe dispersão da verticalização sem limites tb nos miolos de bairros, distante do transporte coletivo. Não se trata de revisão intermediária mas de um novo plano, sem estratégia pactuada com toda sociedade p/ enfrentar os problemas de SP e que atende apenas o mercado imobiliário”, completa o arquiteto.

Enquanto isso, a Prefeitura afirma preferir não comentar o caso enquanto ele está em discussão no Legislativo. Contudo, sabe-se que a base do prefeito Ricardo Nunes (MDB) está em defesa dos interesses das construtoras. Isso não é segredo. Ao contrário, em nota, a secretaria da Câmara afirma que “a Câmara e a Comissão de Política Urbana entendem que o setor imobiliário é parte da sociedade e, portanto, também pode ser ouvido no processo de revisão”. Então, o lobby das construtoras parece garantir pressão suficiente pela aprovação.

Em breve mais informações.