Resposta do ES à questão penitenciária parece gravação, diz Shecaira

Em entrevista à Rede Brasil Atual, presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária critica postura do governo de Paulo Hartung e do Poder Judiciário do Espírito Santo

Para Sérgio Salomão Shecaira, fatos no Espírito Santo mostram que a área de direito penitenciário é abandonada (Foto: Gervásio Baptista. Agência Brasil)

Quando recebeu as denúncias sobre os presídios do Espírito Santo, em abril último, Sérgio Salomão Shecaira não teve dúvidas: deveria cuidar pessoalmente do caso. O presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e professor de Direito da USP embarcou imediatamente ao estado para visitas à Casa de Custódia de Viana (Cascuvi) e ao presídio de Novo Horizonte, em Serra.

Os resultados foram apresentados em um relatório de onze páginas que, entre outras coisas, narra que “na água preta e fétida encontravam-se insetos, larvas, roedores, garrafas de refrigerantes, restos de marmitas, restos de comida, sujeiras de todos os tipos. A profundidade daquele rio de fezes e dejetos chegava a quarenta centímetros, aproximadamente. O cheiro era de causar náuseas. Todos nós chegamos à conclusão que nunca havíamos visto tão alto grau de degradação. Poucas vezes na história, seres humanos foram submetidos a tanto desrespeito”.

Após as inspeções, Shecaira reuniu-se com o secretário de Justiça do Espírito Santo, Ângelo Roncalli. Os argumentos apresentados para a questão, publicamente e a portas fechadas, foram os mesmos dos anos anteriores: o problema não pode ser resolvido da noite para o dia e somente a construção de novos presídios, programada para 2010, poderá melhorar a situação dos detentos.

Em entrevista à Rede Brasil Atual, o presidente do CNPCP destaca que a resposta do governo do Espírito Santo “é sempre mais ou menos a mesma, de que eles são os que mais investem no Brasil na questão penitenciária, de que é um governo que se preocupa demais com o assunto. Essa resposta, que parece uma gravação, oculta algumas questões. Oculta que parte desse dinheiro foi gasto com contêineres. Foi gasto para comprar um abrigo para presídios que é absolutamente contrário ao que estabelece a lei de execuções penais”.

Nos contêineres, o Conselho Nacional de Justiça detectou, depois das denúncias de grupos de direitos humanos, que há adolescentes misturados com presos maiores de idade, todos expostos aos próprios excrementos, a ratos e a montes de lixo. A visita do CNJ ocorreu após a vistoria realizada por Shecaira, e nada havia sido feito pelo governo do Espírito Santo para melhorar as condições.

No encontro com Roncali, definido como “ríspido” no relatório do CNPCP, o professor foi acusado de estar “do lado de lá”. “Para que se tenha uma ideia, instei o secretário de Justiça a se manifestar sobre uma cela de tortura e ele me indagou de que lado eu estava, se era ‘do lado dos direitos humanos’. É a prova cabal de que até as autoridades que deveriam estar à frente da preservação da dignidade da pessoa humana acabam envolvidas com essa ideologia a ponto de, no limite, se colocarem contra os direitos humanos. Eu disse para ele que eu estava do lado da lei e, ao lado da lei, eu só poderia estar do lado de quem respeita a dignidade da pessoa humana. E que ele, como secretário de Justiça, tinha a obrigação mais do que eu de respeitar os direitos humanos e acabar com a cela de tortura”.

Sobre o local, o relatório define que “trata-se de uma cela escura, com goteiras internas, e que se encontrava fechado com um cadeado. A tranca era nova e não apresentava quaisquer sinais de ferrugem. Pareceu-nos estar em plena atividade. Ademais, foram muitas as reclamações das torturas por parte de presos”.

Torturas e esquartejamentos. Nas fotos feitas pelo conselho e por órgãos de direitos humanos, há cenas indescritíveis. Nos últimos anos, são vários os relatos de desaparecidos na Cascuvi e são muitos os corpos mutilados. Segundo ativistas, a situação tem, no mínimo, uma década. Em um relatório de 2006, o CNPCP define a Casa de Custódia de Viana como um lugar que não oferece condições “nem para porcos criados em condições primitivas”.

No documento de 2009, a situação não é diferente: “o estado de deterioração dos edifícios é digno de nota. Como não há qualquer controle sobre os presos, partes dos pavilhões, em sucessivos períodos, foram sendo destruídas. Não há luz elétrica. Não há chuveiros. A água é fornecida somente ao final do dia. Durante a noite, os pavilhões são iluminados com holofotes direcionados das muralhas. O estado de higiene é de causar nojo. Colônias de moscas, mosquitos, insetos e ratos são visualizáveis por quaisquer visitantes. Restos de alimentos são encontráveis em meio ao pátio. Larvas foram fotografadas em várias áreas do presídio”.

“Não é crível, não é razoável que as medidas sejam ignoradas a ponto de chegarmos a uma situação em que o Brasil pode ser novamente acionado na Corte Interamericana. Causa verdadeira perplexidade”, afirma Shecaira.

Entrelaçamento de poderes

O presidente do CNPCP diz-se absolutamente indignado com as posturas do Ministério Público e do Judiciário capixabas. Ele recebeu com estranheza a determinação, na última semana, da interdição dos presídios de Novo Horizonte e Cariacica, que não podem mais receber novos detentos.

“Quando eu indaguei sobre a situação, que era de absoluto terror, se eles conheciam a situação do presídio, me disseram que havia uma política cooperativa entre os poderes. Eu não sei o que é isso, mas me pareceu que era uma justificativa para a inoperância. É impossível que eles assumam uma posição como se fossem do Poder Executivo. Caberia determinar a interdição imediata daqueles presídios”, afirma Shecaira.

Ele protocolou representação junto ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Nacional do Ministério Público pedindo punição contra magistrados e promotores do Espírito Santo. Para o presidente do CNPCP, “se hoje estão determinando a interdição desses estabelecimentos prisionais é porque reconhecem que existem condições para que isso seja decretado. Por que não fizeram antes, quando a condição era ainda pior?”

Vendo a situação do estado, Shecaira decidiu pedir a intervenção federal, solicitação que aguarda decisão da Procuradoria Geral da República. Ele conta que está disposto a reiterar o pedido caso não receba uma resposta em breve e caso o governo Hartung não apresente uma solução imediata para a situação dos presídios.