Terra e comida boa

‘Reforma agrária é mais do que alimentos saudáveis, é democracia’, diz líder do MST

Durante a 4ª Feira Nacional da Reforma Agrária, ato em defesa da luta pela terra virou desagravo ao MST, diante da tentativa de criminalização de CPI na Câmara Federal

Matheus Teixeira/MST
Matheus Teixeira/MST
MST reforçou a legitimidade das ações coletivas que reivindicam política pública de reforma agrária, fruto das necessidades concretas das famílias Sem Terra

São Paulo – Movimentos sociais, artistas e representantes do governo federal marcaram presença neste sábado (13) na 4ª Feira Nacional da Reforma Agrária. Eles participaram de um ato em defesa da luta pelo acesso à terra no Brasil. Também fizeram um desagravo ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que mais uma vez é alvo de uma CPI no Congresso.

A feira, que começou na última quinta (11) e vai até amanhã, traz para São Paulo cerca de 500 toneladas de alimentos produzidos em diversos assentamentos do MST espalhados pelo país. Conta ainda com seminários, apresentações culturais e delícias da cozinha regional do país.

Para Débora Nunes, da Coordenação Nacional do MST, a feira é uma “demonstração simbólica” do resultado da reforma agrária popular. Também serve para prestar contas à sociedade das ocupações que o movimento realiza.

“Essa feira é a demonstração de que só é possível termos essa diversidade de comida boa e saudável, porque temos um processo anterior de organização e luta pela terra”, disse Débora. Ela também afirmou que a reforma agrária é o caminho para construir uma sociedade melhor.

“Convocamos a todos a se somarem a essa luta, compreendendo que a reforma agrária extrapola os limites do campo. Enquanto existir terra sem gente, e gente sem-terra, nós seguiremos construindo a reforma agrária popular, produzindo alimento saudável e uma nova sociabilidade. Porque o povo nasceu para ser feliz, e nós merecemos. Não podemos falar em democracia se não priorizarmos a reforma agrária nesse país”, frisou a dirigente.

Ela criticou o modelo do agronegócio, que expulsa as pessoas da terra, transforma os bens comuns em mercadoria e contamina o solo, o ar e as águas, com o uso desmedido de agrotóxicos. Nesse sentido, a reforma agrária popular busca estabelecer novas relações com o meio ambiente.

Que venha a CPI

“Enfrentamos muitas CPIs. Enfrentamos também muitas balas, jagunços. Mas nos mantivemos firmes no propósito para o qual esse movimento nasceu, que é fazer a luta pela reforma agrária e pela transformação social”, afirmou Ruth Venceremos. Drag queen e militante do MST, Ruth atualmente é assessora da diversidade da Secretaria Especial de Comunicação (Secom). “Que venha a CPI do MST, pois vamos enfrentá-la de frente, como sempre fizemos”.

Para o jornalista Chico Pinheiro, se a Lei fosse respeitada no Brasil, a reforma agrária já deveria ter sido feita, e o MST – que tem quase quatro décadas de luta – não teria mais razões para existir. Por outro lado, disse que se o MST tivesse vindo “antes, bem antes”, talvez as cidades brasileiras não tivessem hoje milhões de brasileiros vivendo em condição de miséria nas favelas e periferias. “Esse povo deveria estar no campo, plantando, colhendo, partilhando e sendo feliz”.

O ator José de Abreu, recitou A Defesa Do Poeta, da portuguesa Natália Correia, que no seu último verso diz que “a poesia é para comer”. ” Não queremos só comida. A gente quer comida, diversão e arte”, afirmou o ator. Ele também rebateu a pecha de “invasores” que recai sobre o MST. “Invasores são aqueles que invadem as terras dos povos originários. São aqueles que vão detonar a nossa natureza, que matam nossos indígenas. O que o MST faz é ocupar terra improdutiva. (…) Vamos mostrar para a CPI quem é invasor e quem ocupa legalmente uma terra improdutiva”.

Reforma agrária vai voltar, diz ministro

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, levou ao MST um “abraço” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mais do que isso, ele disse que o governo federal deve anunciar ainda neste mês um novo programa de reforma agrária. “A reforma agrária vai voltar, para o Brasil distribuir terras, recuperar terras improdutivas”, afirmou durante o evento. Além das terras, o ministro prometeu crédito e assistência técnica aos camponeses sem-terra.

Ele também ironizou a CPI. “Querem criar uma CPI para investigar o MST. Acho que vão achar coisas interessantes. Vão ver suco de uva que não tem trabalho escravo. Vão encontrar produtos que não tem agrotóxico. Também vão encontrar soja não transgênica”. De quebra, criticou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em função da alta taxa de juros. “Mas se quiserem descobrir um homem  que está criando uma balbúrdia, uma baderna, nesse país, vão achar o Roberto Campos Neto, que está fazendo o maior juros da face da Terra, e levando muitos brasileiros à extrema-pobreza e à miséria”.

Por outro lado, o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, destacou a luta do MST no combate à fome durante a pandemia. “Foram 8 mil toneladas de alimentos que o MST entregou nas periferias das grandes cidades do país. E mais 2 milhões de marmitas feitas pelo MST, e outras 10 mil cestas de alimentos”. Ele citou a liberação de R$ 500 milhões para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), e prometeu que a Conab vai ser “o maior cliente dos assentados da reforma agrária”.

Farol que ilumina a América Latina

Para Edgar Barbosa, da Federação Rural Luta Arraigada da Argentina, o MST é um “farol” que inspira a luta camponesa em toda a América Latina. “Hoje, mais do que nunca, necessitamos fortalecer os laços de irmandade entre as organizações e pensar a função social da terra. Na Argentina, não temos nenhum marco legal que permita o acesso à terra aos campesinos e pequenos produtores. Hoje, esta é a nossa luta, e também é a luta pela segurança e soberania alimentar”.

Vice-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), Julia Aguiar, saudou os assentados de diversas partes do Brasil que participam da feira. Foi mais uma a criticar a CPI. “Viemos aqui dizer que não passarão. Contem com a UNE e com a juventude brasileira. Sabemos que o MST tem capacidade, potencial e uma imensa contribuição à esquerda brasileira, para defender um projeto emancipatório de país”.