Violência política

Ataque de Ratinho a deputada reforça debate sobre regulação da mídia

Para integrante do Intervozes Mônica Mourão, caso “reúne várias características infelizmente comuns da nossa comunicação social”, onde há uma “relação perniciosa entre poder político, econômico e mídia”

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Durante programa, Ratinho ainda incitou a violência contra parlamentar, sugerindo que "a gente tinha que eliminar esses loucos. Não dá para pegar uma metralhadora?"

São Paulo – Para a integrante do Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes), Mônica Mourão, professora do Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o ataque misógino do apresentador Carlos Massa, o Ratinho, à deputada federal Natália Bonavides (PT-RN) em uma concessão pública, reforça a urgência do debate sobre regulamentação dos meios de comunicação no Brasil. 

De acordo com a especialista, a falta de uma legislação que impeça um mesmo grupo de controlar emissoras de rádio, televisão, jornais e portais na internet e o desrespeito à garantias fundamentais mínimas já estabelecidas em lei também permitem a oferta de conteúdos violentos à população. Em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, ela lembra que Ratinho “reúne várias características infelizmente comuns da nossa comunicação social”, onde há uma “relação perniciosa entre poder político, econômico e mídia”, observa.

O apresentador, que já foi vereador em Jandaia do Sul e deputado federal, é pai do atual governador do Paraná, Ratinho Júnior, além de ser proprietário de empresas em setores diversificados, de emissoras de rádio e TV a marcas de tintas, ração, café e cerveja. De acordo com site De Olho Nos Ruralistas, ele possui ao menos 15 fazendas. Colecionador de defesas públicas como “fuzilamento de denunciados” e “limpar mendigos” das cidades, na última quarta-feira (15), o apresentador usou o programa radiofônico Turma do Ratinho, da Rádio Massa FM, para, ao vivo, atacar a deputada. 

Concessão presta um serviço público

Durante a transmissão, veiculada também em redes sociais, o apresentador questionou “você não tem o que fazer, minha filha? Vá lavar uma roupa, vá costurar a calça do seu marido, a cueca dele”. Ratinho ainda incitou a violência sugerindo que “a gente tinha que eliminar esses loucos. Não dá para pegar uma metralhadora?”. Numa concessão pública, conforme destaca a integrante do Intervozes, “é um serviço público de comunicação que é prestado”. “Só por isso já deveria haver mais obrigações de respeitar as normas constitucionais, as leis, assim como os pactos internacionais que o Brasil assina e isso não acontece muitas das vezes”, alerta. “A gente esquece que emissoras de rádio e televisão, por mais que tenham um dono dos equipamentos, estúdios e alguém que faça a programação, funcionam como concessões públicas como, por exemplo, é o transporte público nas cidades”, compara.

Mônica lembra que o debate sobre regulação da mídia nada tem a ver com censura, mas o estabelecimento de regras que impeçam o monopólio de grupos e a distorção do serviço. O que já é uma realidade em países da Europa e nos Estados Unidos e Canadá, por exemplo. No Brasil, embora a Constituição Federal proíba que políticos controlem as empresas de mídia, estudo do Intervozes, de 2018, mostra que 32 deputados federais e oito senadores controlavam meios de comunicação, mesmo que não sejam seus proprietários formais. 

“São grupos que se sentem acima da lei mesmo”, comenta a professora da UFRN. “Como a gente pode ter uma democracia consolidada, uma real democracia, se a gente tem pessoas que estão numa condição muito desigual de expor suas ideias, valores, imagem para conseguir conquistar eleitores quando chegam as eleições? Esse é um dos problemas.”

Cobrança da Justiça 

Mônica também frisa que houve crime na fala de Ratinho e reforça as manifestações contra o apresentador e o programa. “Isso não é liberdade de expressão. Quando ele fala que a deputada deveria ser metralhada é uma incitação ao homicídio, que é crime e deve ser tratado como tal”. Segundo ela, o apresentador incorreu também no crime de LGBTfobia, incitando discriminação em razão de orientação sexual e identidade. 

O ataque de Ratinho foi uma reação ao Projeto de Lei (PL) 4.004/2021. De autoria de Natalia Bonavides, ele altera a Lei 10.406 de 2002 do Código Civil, mudando os termos da declaração feita pela presidência da cerimônia de casamento para celebração do casamento civil. Usando da violência e do machismo, o apresentador se revoltou contra a proposta que assegura o tratamento igual entre casais. Na prática, o texto substitui o “eu os declaro marido e mulher” por “está firmado o casamento”. Uma demanda histórica da comunidade LGBTQIA+ em respeito à diversidade sexual.

Após as agressões, a deputada do PT anunciou já na quarta-feira que entrará com medidas judiciais contra Ratinho e sua rádio. O Grupo de Trabalho (GT) Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero do Ministério Público Eleitoral sugeriu a análise de providências cabíveis na esfera criminal para apurar as agressões verbais. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão também foi acionada para investigar a ocorrência de crimes. 

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção