Caso em Paraisópolis

‘Quem matou Felipe?’: questão explode após denúncia de que seguranças de Tarcísio o executaram

Testemunhas disseram ao site ‘The Intercept Brasil’ que foram seguranças de Tarcísio de Freitas (Republicanos) que mataram o homem desarmado em Paraisópolis. Pai da vítima fala em armação do candidato. “Matou meu filho para ganhar a eleição”

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Denuncia de que integrante da campanha de Tarcísio pressionou pelo sumiço de provas do tiroteio esquentou o debate com Haddad, que criticou ação. "Se confia na autoridade policial"

São Paulo – A menção ao episódio do tiroteiro em Paraisópolis, comunidade da zona sul de São Paulo, abordada pelo candidato Fernando Haddad (PT) contra seu adversário, Tarcísio de Freitas (Republicanos), fez subir a temperatura do debate entre os postulantes ao governo de São Paulo, na noite dessa quinta-feira (27), na Rede Globo. A pauta, contudo, também levou a uma onda de questionamentos nas redes sociais sobre “quem matou” Felipe Silva de Lima, de 27 anos, executado no último dia 17, no momento da visita de Tarcísio a um projeto social de Paraisópolis. 

O assunto ganhou novos desdobramentos ao longo do dia de ontem, após uma reportagem do site The Intercept Brasil divulgar o relato de quatro testemunhas, afirmando que policiais à paisana que faziam a segurança do ex-ministro do governo de Jair Bolsonaro (PL) mataram o homem que estava desarmado. Elas estavam na rua Manoel Antônio Pinto, onde o tiroteio aconteceu. O local fica a cerca de 100 metros do Polo Universitário de Paraisópolis, onde, por sua vez, estava Tarcísio. 

Os relatos das testemunhas também desmentem a versão apresentada pelos policiais no Boletim de Ocorrência lavrado pela Polícia Civil. No registro, os agentes afirmaram que avistaram criminosos portando armas longas em motos logo após ouvirem uma rajada de tiros de metralhadora. O B.O. ainda informa que os seguranças do candidato bolsonarista não entregaram nenhuma arma que estivesse em posse de Felipe Lima. Apenas duas armas, essas usadas pelos policiais militares à paisana, que foram apreendidas. Eles são suspeitos de terem atirando contra a vítima com um fuzil 5.56 e uma pistola .40. 

O dia 17 de outubro

A ocorrência na comunidade paulistana interrompeu o agenda de Tarcísio que, sem apresentar quaisquer evidência, alardeou o fato como um “atentado” à sua campanha. O que foi desmentido na tarde do mesmo dia. A reportagem também revela que a presença do candidato do Republicanos não era bem-vinda no evento, dada sua ligação com Bolsonaro. Conhecido por defender grupos de extermínio, o presidente também é associado ao preconceito contra favelas dada sua afirmação de que o ex-presidente Lula teria feito uma passeata em que “só tinha marginal”, quando, na verdade, tratava-se de um ato de campanha do petista em uma comunidade do Rio de Janeiro.

Os coordenadores do projeto social divulgaram um convite aberto nas redes sociais e ficaram surpresos quando souberam, na noite anterior, que Tarcísio participaria. No dia do evento, os PMs começaram a vistoriar os carros estacionadas na rua onde foi executado Felipe, com armas de grosso calibre. A atitude hostil dos policiais causou constrangimentos nos convidados do evento. Um coordenador do projeto pediu então para que a equipe de Tarcísio intercedesse. 

Os agentes fardados foram embora e se posicionaram a quilômetros de distância, na entrada da comunidade. No fim da manhã, o ex-ministro de Bolsonaro chegou ao local sob forte escolta de seguranças e assessores. A previsão era de que ele permanecesse no local por 10 minutos. Meia hora tinha se passado desde a sua chegada quando Felipe e outro homem, identificado como Rafael, chegaram de moto a um segurança – que era policial à paisana – e estava postado a 100 metros do prédio e disseram: “A comunidade não quer vocês aqui, vão embora”, descreve o TIB

As contradições

Eles foram para a esquina da rua. Ouviu-se então uma rajada de tiros distante do evento. De acordo com as testemunhas, nenhum disparo foi feito na direção da equipe de Tarcísio. Foi então que Felipe e Rafael retornaram na moto para falar com a equipe de segurança e foram recebidos a tiros. Um deles atingiu Felipe no peito. Rafael conseguiu correr e fugir. A reportagem mostra que os seguranças da equipe de Tarcísio continuaram a atirar. Foram encontradas marcas de balas em carros e trailers na direção do local onde Felipe foi atingido. 

As testemunhas afirmam que o corpo de Felipe foi colocado numa viatura e levado para um posto de gasolina. O carro ficou estacionado no posto por minutos antes de levar Felipe, já morto, ao hospital. O boletim de ocorrência só começou a ser escrito às 17h daquele dia, algo incomum para um caso acontecido antes do meio-dia. O habitual, segundo um advogado criminalista ouvido pelo Intercept Brasil, é um intervalo de duas horas entre a ocorrência e o registro.

Uma reportagem do Brasil de Fato também identificou que os policiais adulteraram a cena do crime antes da chegada da perícia. Além disso, um áudio, revelado pelo jornal Folha de S. Paulo, mostrou um membro da equipe do candidato bolsonarista ordenando a um cinegrafista da Jovem Pan que fossem apagadas as imagens feitas no local que mostravam os PMs “atirando para cima dos caras”. A ordem partiu do agente licenciado da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Fabrício Cardoso de Paiva. Nomeado pelo governo Bolsonaro, ele está licenciado para trabalhar na campanha do republicano.

Pai fala em ‘armação de Tarcísio’

Após o caso vir à tona, o profissional da imprensa acabou demitido da emissora na quarta (26), segundo ele, a pedido da equipe de Tarcísio. No mesmo dia, o grupo Tortura Nunca Mais enviou à Ouvidoria da PM um ofício pedindo que o caso fosse investigado. Para o grupo, a morte de Felipe Silva de Lima tem “fortes indícios de execução”. 

Ontem, durante o debate, ao ser questionado sobre o caso, o ex-ministro de Bolsonaro não condenou a postura do membro de sua equipe. E tampouco conseguiu dar explicações convincentes sobre o tiroteio. “Esse meu colega pediu o seguinte: ‘apaga isso, apaga aquilo’, por preocupação com as pessoas”, alegou o bolsonarista. Haddad, no entanto, rebateu com duras críticas. “Não se destroem provas, não se destroem evidências, se confia na autoridade policial”, destacou o ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo. 

Diante de tantas perguntas sem respostas, internautas também estão repercutindo nas redes sociais a entrevista com a família da vítima ao jornalista Joaquim de Carvalho, do site Brasil 247. “Tarcísio fez uma armação e matou meu filho para ganhar a eleição”, disse o pai de Felipe. O irmão também descreveu seu sentimento de medo após o assassinato. 

Confira as repercussões