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Quando ‘No a la Baja’ começou, 70% eram pró-redução de maioridade, diz ativista

Membro da organização que ajudou a barrar redução de idade penal no Uruguai, Andrés Risso diz que grupo ofereceu apoio a movimentos semelhantes no Brasil

Reprodução / Facebook

Campanha chamada “No a la Baja” (“Não à Redução”) conseguiu evitar que a proposta fosse aprovada

Montevidéu – Integrante da organização Proderechos, o jovem Andrés Risso, de 26 anos, foi uma das figuras de destaque durante as mobilizações que conseguiram deter a redução da maioridade penal dos 18 para os 16 anos no Uruguai. Pese a popularidade inicial da proposta de diminuir a idade de imputabilidade (“percentual de apoio público à redução da maioridade era de cerca de 70%”, diz), levada a um referendo em outubro passado impulsionado por partidos de oposição, a campanha chamada “No a la Baja” (“Não à Redução”) conseguiu evitar que a proposta fosse aprovada.  Nela, se articularam dezenas de organizações sociais, estudantis, sindicais e outras, montando comitês em todos os departamentos do país. Andrés Risso conta a Opera Mundi um pouco do debate travado no Uruguai e da disposição em apoiar movimentos similares no Brasil.

Qual o contexto sociopolítico em que emerge a recente discussão sobre redução da maioridade penal no Uruguai?

No Uruguai, desde o retorno da democracia em 1985, houve no parlamento 17 propostas para reduzir a maioridade penal. Não é nada de novo. O novo, talvez, foi que depois da crise econômica de 2001 e 2002, e da bonança dos anos posteriores, houve um aumento da sensação de insegurança. As pessoas estavam melhor economicamente, mas os índices de violência vinham aumentando. Há dados que mostram que 40% da população pensava que a segurança era o principal problema do país. Por conta disso, os setores conservadores tomam esse dado para impulsar um referendo que intrudo na Constituição a redução da idade de imputabilidade de 18 para 16 anos.

Quando conseguem juntar as assinaturas necessárias para começar o referendo, o percentual de apoio público à redução da maioridade era de cerca de 70% e para que não fosse aprovada era necessário que não alcançasse os 50% ou mais.

Coletar essas assinaturas exige um trabalho de mobilização grande. Quais os setores que impulsionaram o referendo?

Basicamente foram os setores políticos, não foram os movimentos sociais. Os setores políticos mais conservadores, aglutinados no Partido Colorado, no Partido Nacional, que são partidos de oposição. Sua campanha foi basicamente midiática, porque, durante a coleta de assinaturas, os minutos da cobertura da imprensa que se dedicavam aos delitos cometidos por adolescentes subiram mais de 200% em horário central, o que contribuía para reconhecer na juventude o problema da delinquência.

Porém, se podiam contrastar as cifras de que menos de 10% dos crimes são cometidos por adolescentes, além de se recomendar desde a Comissão de Direitos das Crianças e Adolescentes que a privação de liberdade seria o último recurso e que nesse caso se propõe como o primeiro. A solução seria a prisão, não se pensava num reintegração e reinserção dos mesmos.

Quais os principais argumentos utilizados pela campanha em defesa da redução da maioridade penal?

Quando eles tiveram os espaços para apresentar os argumentos, o que eles faziam era a utilização das vítimas de delinquência. Então se baseavam mais na experiência e no pranto da vítima que havia tido um filho, um irmão morto. Era a partir daí que eles posicionavam o tema.

Um adolescente já mata, então os adolescentes já são adultos e por isso deveriam ter as mesmas penas dos adultos. Trabalhamos no sentido de que a proposta não incluía nenhuma atenção às vítimas e que não era esse o caminho, o da emoção, para tomar uma decisão que afeta toda a sociedade, baseado em casos pontuais.

Como conseguiram desconstruir esta campanha?

Nós fizemos também uma pesquisa de opinião pública que nos permitiu constatar que quando a população se informava sobre a proposta, se dava conta de que ela não solucionava o problema por uma série de motivos.

Primeiro, porque o fato de tomar somente uma medida repressiva ou de encarceramento não soluciona o problema de segurança.  Segundo, porque na etapa da adolescência o cérebro está em construção, as pessoas estão em construção de sua identidade e o único que o encarceramento vai gerar no futuro são pessoas que não vão ter momento de maior aprendizado, de alternativas, além de uma experiência delitiva.

Em terceiro lugar, sabíamos que era uma medida que atentava contra tudo que se vinha realizando, sobretudo desde a sociedade civil organizada, em relação à geração de oportunidades, porque esta medida atacava a parte mais vulnerável da adolescência.

Como se deu a organização social em torno da campanha do “No a la Baja”?

No Uruguai se deu uma particularidade de que todas as pessoas que estão organizadas tanto no nível de bairro, de voluntariado, sindical, estudantil, todas as organizações que compõem o emaranhado social se posicionaram rapidamente contra. Mas não somente desde uma declaração ou comunicado, mas sim de uma postura bastante ativa, se interveio nas ruas, se geraram debates em espaços de bairro, em cooperativas de habitação, na universidade. Isso gerou um debate a nível nacional, uma espécie de rede social com organizações e comissões do “No a la Baja” em todo país, em cada um dos departamentos e cidades do país, o que permitiu um trabalho mais territorial e não tanto desde o parlamento, da televisão, mas sim um trabalho de convencimento.