Remição de pena

Presídios brasileiros ainda apresentam restrições de acesso à leitura, aponta censo do CNJ

Estudo mostra que 23 estados não estabelecem número de vagas para atividades de leitura; e em 15 a relação oferta/demanda não atingiu nível satisfatório

José Fernando Ogura/AEN-PR
José Fernando Ogura/AEN-PR
30,4% não têm bibliotecas ou espaços de leitura e 26,3% não promovem atividades educacionais

São Paulo – Entre as 1.347 unidades prisionais em todo território nacional, 30,4% não têm bibliotecas ou espaços de leitura e 26,3% não promovem atividades educacionais. Esses dados estão no Censo Nacional de Leitura em Prisões, que foi lançado pelo Conselho Nacional de Justiça. Evidenciam o caminho a ser percorrido para a universalização do acesso à educação, ao livro e à leitura, inclusive enquanto forma de remição de pena, conforme está previsto em leis e normas no Brasil. Participaram do censo 99,63% das unidades prisionais do país e todas 27 unidades da federação.

“A remição pela leitura, que ganhou um novo impulso com a Resolução CNJ 391/2021, hoje é uma atividade central para a ressignificação da capacidade de inclusão das pessoas. Que cada palavra escrita e lida represente um grito de liberdade, um símbolo de resistência e um sopro de esperança”, destacou o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ, Luís Lanfredi.

Secretário Nacional de Políticas Penais, Rafael Velasco, afirmou que a ideia da remição da pena por meio da leitura é inovadora. “Com a possibilidade de quatro dias de redução da pena por cada livro lido, isso representa aproximadamente 13% da pena anual do preso. Uma iniciativa como essa poderia economizar bilhões de reais e redirecionar esses recursos para investimentos, tanto dentro quanto fora do sistema prisional”.

Segundo dados do governo federal de junho deste ano, 31,5% das pessoas privadas de liberdade têm acesso à remição pela leitura — em 2015, elas eram apenas 0,6%.

Presidente da Biblioteca Nacional, Marco Lucchesi ressaltou a importância da parceria entre a instituição, o CNJ e a Senappen na busca pela universalização do acesso ao livro e à leitura nos presídios. “O cárcere é uma janela dramática para conhecer o Brasil, com sua complexidade e desafios. Apesar das dificuldades, estamos testemunhando trabalhos magníficos que, através dessa parceria, buscam proporcionar uma nova perspectiva e organicidade para essa realidade”.

Rompendo barreiras

O censo também identificou que 23 unidades da federação não estabelecem número de vagas para as atividades de leitura, e que em 15 a relação entre oferta e demanda não atingiu um nível satisfatório. Com uma média nacional de 2,4 livros por pessoa presa nos acervos das bibliotecas, foram identificadas restrições de acesso a conteúdo (relatado em 39,3% das unidades prisionais) e do próprio acesso às bibliotecas — 21,5% das unidades indicam critérios de uso como comportamento e participação em projetos para admissão de pessoas.

Também foram identificadas restrições no campo da inclusão — 53% das unidades com biblioteca não garantem acesso de pessoas sem alfabetização, e 92% não garantem o acesso de pessoas com deficiência. Segundo o censo, 53% das pessoas privadas de liberdade são analfabetas ou têm ensino fundamental incompleto.

Professora da Universidade Católica de Pelotas e coordenadora da pesquisa, Christiane Russomano Freire observou a necessidade de superar essas restrições para que as políticas de leitura sejam eficazes. “Garantir o acesso à leitura nos espaços prisionais é essencial para a restauração do sistema prisional e a construção de políticas eficazes”.

Quanto a práticas e projetos de leitura, o censo identificou que existem em apenas 54,7% das unidades prisionais, e que parte dessas unidades (20,5%) não garante a remição por meio dos projetos. As práticas mais comuns são leitura individual e leitura e produção de resenhas, avaliações e fichas, identificadas em 613 e 548 unidades, respectivamente. A reavaliação e a atualização periódica do acervo bibliográfico não é feita em 39% das unidades que têm projetos de leitura.

Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás com atuação em projetos de remição da pena pela leitura, Liana Tormin elogiou a qualidade metodológica do censo e ressaltou a urgência de reconhecer e recompensar os profissionais diretamente envolvidos nas iniciativas de leitura em ambientes de privação de liberdade. “A leitura no contexto prisional é um instrumento multifacetado, que desempenha um papel vital na execução penal, na assistência educacional e na promoção da ressocialização”.

Plano Nacional de Leitura

Produzido entre agosto de 2021 e março deste ano, o censo permitiu que o CNJ elaborasse a proposta de um Plano Nacional de Fomento à Leitura nas Prisões. A atividades de leitura nos campos de privação de liberdade integram o portfólio do programa Fazendo Justiça, parceria entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento para acelerar transformações no campo penal e no campo socioeducativo. Está previsto para dezembro o lançamento do Censo de Leitura no Sistema Socioeducativo. 

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Com informações da assessoria de imprensa do CNJ e da Conjur