Direitos humanos

Pastoral quer movimentos, familiares e sobreviventes do sistema na construção da política de segurança de Lula

Pastoral Carcerária pede ao presidente eleito que analise a Agenda Nacional pelo Desencarceramento, com propostas para a redução da violência. E lembra que enquanto mais de 900 mil pessoas estiverem presas, com direitos desrespeitados, o Brasil não será guiado pelo amor e princípios democráticos

Arquivo Agência Brasil
Arquivo Agência Brasil
Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. Segundo a Pastoral, presos sofrem torturas e violações

São Paulo – A Pastoral Carcerária divulgou nesta quinta-feira (10) carta aberta dirigida ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pedindo que a política de segurança pública de seu governo ouça movimentos, familiares de encarcerados e sobreviventes do sistema prisional. A entidade vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) apela à sensibilidade de Lula, que esteve preso por mais de 500 dias na sede da Polícia Federal em Curitiba, para reconsidere a lógica punitivista que demonstra adotar na sua política de segurança pública.

“Vemos com preocupação o fato de que, quando a questão da segurança pública surge, a lógica adotada pelo senhor continua sendo a do punitivismo. Em debate na Band durante o segundo turno das eleições, o senhor se vangloriou de ter construído quatro presídios federais de segurança máxima”, diz trecho da carta.

O documento da Pastoral menciona ainda que, “da mesma forma, o senhor assinou a Lei de Drogas em 2006, responsável por um aumento exponencial da população prisional, efetivamente criminalizando o que deveria ser tratado como uma questão de saúde”.

Pastoral pede que envolvidos sejam ouvidos na política de segurança

O documento reforça a denúncia das graves condições sob as quais a população carcerária – a terceira maior do mundo – vive atualmente. E que com 900 mil pessoas vivendo nessa situação, o Brasil está longe de ser uma nação governada pelo amor e tampouco por princípios democráticos.

Por isso, a Pastoral Carcerária pede a Lula que analise a Agenda Nacional pelo Desencarceramento, com propostas para a redução da violência na polícia de segurança. O documento, escrito em parceria com diversas organizações, foi apresentado à então presidenta Dilma Rousseff em 2013, durante audiência pública.

“O que estamos dizendo pode parecer utópico, mas acreditamos que utópico é defender que as prisões funcionam para manter a população segura. Acreditamos, assim como o senhor reforçou no seu discurso de vitória, que há um caminho baseado no amor para tratar a questão da segurança pública”, diz outro trecho da carta.

Hoje, em sua primeira visita ao centro de transição de seu governo, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, Lula voltou a falar em paz e “escolas em vez de cadeia”, embora o tema do seu discurso não fosse política de segurança. “Eu não quero arrumar inimigos. O Brasil historicamente, o último contencioso nosso foi com a Guerra do Paraguai. Eu não quero guerra, eu quero paz. Eu não quero ódio, eu quero amor. Eu não quero armas, eu quero cultura e livros. Eu não quero cadeia, eu quero escolas. É esse país que eu peço a vocês que me ajudem a construir”, disse.


Leia a íntegra da carta

Excelentíssimo senhor presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva,

A Pastoral Carcerária Nacional, organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) incumbido de organizar e prestar assistência religiosa e humanitária nas unidades prisionais do país, congratula o senhor pela sua eleição para ocupar o cargo de presidente do Brasil em 2023.

Em seu discurso de vitória, o senhor disse que vai governar para todo o povo brasileiro. Pedimos que seu governo não deixe de lado os mais de 900 mil homens e mulheres presos – atualmente somos a terceira maior população prisional do mundo – que sofrem na pele, cotidianamente, uma série de torturas e violações de direitos humanos.

O sistema carcerário não está em crise; ele cumpre perfeitamente o seu objetivo de massacrar quem está atrás das grades. As prisões ceifam a vida e a dignidade da população encarcerada, em sua maioria preta, pobre, jovem e periférica.

As/os agentes da Pastoral Carcerária que visitam as prisões por todo país, assim como familiares de pessoas presas, relatam as condições torturantes dos presídios: superlotação, falta de saneamento básico, higiene e alimentação precárias, atendimento de saúde ruim ou inexistente, além das agressões físicas e maus tratos.

Vemos com preocupação o fato de que, quando a questão da segurança pública surge, a lógica adotada pelo senhor continua sendo a do punitivismo. Em debate na Band durante o segundo turno das eleições, o senhor se vangloriou de ter construído quatro presídios federais de segurança máxima.

Da mesma forma, o senhor assinou a Lei de Drogas em 2006, responsável por um aumento exponencial da população prisional, efetivamente criminalizando o que deveria ser tratado como uma questão de saúde.

A Pastoral Carcerária Nacional não acredita que mais prisões e medidas que aumentam o punitivismo irão resolver a questão da segurança pública; pelo contrário, quanto mais presídios se constroem, mais a violência se expande. A privatização das prisões também não humaniza ou soluciona os problemas do cárcere, pois essa mercantilização das vidas encarceradas só abre espaço para mais torturas e massacres. Não se pode esquecer que o mesmo ocorre no sistema socioeducativo, no qual a população jovem e periférica é constantemente torturada.

Quanto mais se militarizam as prisões e as polícias penais, mais evidente se torna o real propósito do cárcere: não serve para ressocializar, mas sim para satisfazer um desejo coletivo de vingança e para manter o modo de produção racista e misógino em pleno funcionamento, pois as vidas que lá estão são tidas como descartáveis.

O que resolve essa situação é o desencarceramento, aliado à políticas públicas e formas de resolução de conflitos que busquem de fato a construção de laços sociais do indivíduo à sociedade.

A Pastoral, em conjunto com diversas outras organizações, apresentou em novembro de 2013, durante audiência pública com o Governo Federal – então chefiado pela presidenta Dilma Rousseff –, a Agenda Nacional pelo Desencarceramento.

Este documento contém 10 pontos com propostas concretas que visam o fim do cárcere, e por consequência, a diminuição da violência.

De lá para cá, percebemos o avanço da barbárie em período de suposta normalidade democrática, como também a institucionalização do punitivismo em período de possível ruptura democrática. Por isso, sabendo que o senhor preza pela democracia e pelo direito de existir de todos e todas, nos dirigimos ao senhor. Sobretudo para que o Governo Federal não assista, mais uma vez, a manutenção da sanha punitiva.

Neste momento de transição de governo, acreditamos que seja fundamental que a equipe do senhor escute movimentos abolicionistas, familiares de pessoas encarceradas e sobreviventes do sistema, e que seja feito um esforço concreto de alterar a política de segurança pública brasileira.

Como alguém que passou pelo cárcere, o senhor deve entender que essa é uma experiência que marca negativamente a vida de qualquer um.

O que estamos dizendo pode parecer utópico, mas acreditamos que utópico é defender que as prisões funcionam para manter a população segura. Acreditamos, assim como o senhor reforçou no seu discurso de vitória, que há um caminho baseado no amor para tratar a questão da segurança pública.

Somos seguidores de Jesus, que foi encarcerado, e, enquanto mais de 900 mil pessoas continuam presas e têm seus direitos básicos desrespeitados, o Brasil não pode ser chamado de uma nação guiada pelo amor e princípios democráticos.

Nos colocamos à disposição para dialogar, e estimamos o melhor ao senhor, sua equipe e ao país.

Pastoral Carcerária Nacional,

10/11/2022


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