Núcleo de Consciência Negra na USP será despejado esta semana

Reitoria argumenta que projeto, há 22 anos dentro do campus em São Paulo, usa indevidamente o nome da universidade

A arte que simboliza o Núcleo de Consciência Negra da USP pode em breve ter de mudar de endereço também (Imagem: divulgação)

O Núcleo de Consciência Negra (NCN) na Universidade de São Paulo vai mudar de endereço após 22 anos. Na próxima sexta-feira (18), o grupo fará as malas, mas não de livre e espontânea vontade nem para ir a um lugar maior – aliás, nem se sabe ainda para onde vai.

A Reitoria da USP obteve no início de setembro vitória em uma ação de despejo levando em conta documentos de 2004 que pediam que o núcleo estabelecesse um convênio com a universidade. Apesar de estar dentro de um galpão da Cidade Universitária, na zona oeste da capital paulista, o projeto não tem ligação direta com a universidade – por isso usa o nome Núcleo de Consciência Negra “na” USP, e não “da” USP.

Desde gestões anteriores, a Reitoria hoje comandada pela contestada Suely Vilela alegava que o projeto tinha ilegalidades por cobrar pelos cursos usando a “marca” USP. Por outro lado, a administração central da universidade não moveu processo contra qualquer das fundações que também usam a “grife” USP e cobram por isso. Para que se tenha uma ideia, a Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo arrecadou, em 2008, R$ 83 milhões de diversos contratos obtidos graças ao uso da marca em questão. Dessa arrecadação, os cofres da USP viram cerca de R$ 12 milhões.

A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) oferece cursos chamados “MBA USP”, pós-graduações voltadas à area econômica que custam ao menos R$ 16 mil para uma carga de 400 horas. Por sua constituição, a entidade não tem fins lucrativos. No caso do núcleo, o principal curso oferecido é o pré-vestibular para pessoas de baixa renda, que pagam quatro parcelas de R$ 70 por semestre. O projeto conta com apoio voluntário de professores de diversas unidades.

Valter Barbosa, coordenador-colaborador, explica que o Núcleo de Consciência Negra já passava por problemas antes, com a retirada de um integrante acusado de irregularidades. Com isso, o projeto é mantido em funcionamento por antigos alunos, que tentam realizar o trabalho “de trazer a população negra para a universidade, que é a população mais atingida em termos de acesso, tendo em vista que os centros de lazer e de cultura são feitos em regiões nobres da cidade, nunca na periferia”.

Além dos cursos, o núcleo promove discussões sobre o preconceito dentro da sociedade, especialmente na Semana de Consciência Negra, em novembro. Os integrantes têm colaborado com Januário Alves de Santana, agredido em agosto por seguranças do supermercado Carrefour em Osasco, na Grande São Paulo. Os funcionários do estabelecimento afirmaram tê-lo confundido com um assaltante quando ele retornava ao próprio carro. Para os advogados de Januário, ele foi vítima de tortura e de racismo.

“O núcleo tem uma história não só de trazer para os alunos o sonho, mas também ajuda a formar professores, a se desenvolver”, reclama Valter Barbosa. “É o único lugar em que se pode errar e aprender com nossos erros”, completa.

Até o fechamento desta reportagem, a Reitoria da USP não respondeu aos pedidos de entrevista nem de informações apresentados por telefone e por email.