Movimentos sociais e governo saem em defesa da classificação indicativa

Ação no STF pede anulação de artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente que sustenta o dispositivo

São Paulo – Ação direta de inconstitucionalidade (ADI) protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo PTB, com apoio da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert), coloca em risco a aplicação da classificação indicativa, instrumento que orienta sobre a programação de TV mais adequada para crianças e adolescentes, levando em conta o horário de exibição e a faixa etária. A ação questiona a legalidade do artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), um dos pilares dessa política classificatória implementada há quatro anos pelo Ministério da Justiça. O artigo prevê penalidades para emissoras que transmitam “por meio de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação”. PTB e Abert entendem que o dispositivo fere a liberdade de expressão e configura censura à programação.

O julgamento da ação no STF começou em novembro e já obteve votos favoráveis dos ministros Dias Toffoli, relator da proposta, Luiz Fux, Cármen Lucia e Carlos Ayres Britto. Foi interrompido pelo ministro Joaquim Barbosa, que pediu vista do processo.

Manifesto

A situação preocupa o governo e ativistas que defendem os direitos de crianças e adolescentes. Várias entidades se uniram contra a Adin e lançaram um manifesto de apoio à classificação indicativa. Segundo o documento, o dispositivo não censura tipo algum de conteúdo, a classificação é feita pelas empresas e os pais continuam livres para deixar ou não seus filhos terem acesso a todos os programas.

Ekaterine Karageorgiadis, advogada do Instituto Alana, afirma que o argumento defendido pelo PTB e pela Abert é equivocado, porque é a própria emissora que define em que horário se encaixa seu programa. “Censura pressupõe uma conduta prévia à veiculação do conteúdo. Mas nesse caso, o programador cria seu conteúdo do jeito que quiser, auto-classifica, coloca no ar e só depois o Ministério da Justiça vai verificar se aquela classificação escolhida pela emissora é adequada ou não. Se não for, o ministério vai reclassificar”, explica a advogada. 

Dar a emissora a possibilidade de auto-classificar suas atrações é uma das novidades trazidas pela Portaria 1.220 (de 11 de julho de 2007), que estabelece a norma. Outro ponto inovador é que as empresas radiodifusoras são obrigadas a respeitar o horário de verão e os fusos horários de onde está sendo exibida a programação. 

Campanha

O governo também saiu em defesa da medida classificatória e lançou no mês de março, a campanha “Não se engane” com o objetivo de alertar os pais sobre a influência da televisão na formação das crianças e a importância da classificação indicativa como mecanismo de proteção contra a exposição da garotada a conteúdos em que predominem cenas de sexo, violência ou de uso de drogas.

Assim como em vários países que têm pesquisas sobre o tema, as crianças brasileiras também ficam muitas horas diante da televisão. Dados do Painel Nacional de Televisores do Ibope, de 2007, mostram que os brasileirinhos com idade entre quatro e 11 anos de idade passam, em média, quatro horas e 50 minutos por dia em frente à TV.

Pesquisas

Levantamento feito pela Andi-Comunicação e Direitos e pelo Intervozes-Coletivo Brasil de Comunicação, que reuniu os resultados de trabalhos desenvolvidos na Europa e Estados Unidos, concluiu que o contato regular com conteúdos violentos  pode ter consequências avassaladoras para crianças e adolescentes.

Cecilia Bizerra, do Intervozes, destaca entre essas pesquisas, uma realizada pela American Medical Association, em 1996. “Esse estudo comprova que da mesma forma que a criança imita observando os adultos, também tende a imitar observando o que vê na televisão. E de tanto ver, acaba se tornando insensível à violência do mundo real. Outro impacto é o aumento do medo e a tendência a ter mais pesadelos, porque ela se impressiona mais do que os adultos. Isso pode gerar, entre outros problemas, depressão ou ansiedade”, disse.

Segundo ela, a classificação indicativa é um instrumento que o estado pode oferecer para a sociedade proteger crianças e adolescentes de programações que podem gerar impacto negativo em suas vidas. De acordo com Cecilia, se a ação movida pelo PTB e pela Abert for considerada legítima pelo STF, as emissoras deixam de ter o compromisso de cumprir a classificação indicativa e será perdido um trabalho de anos de debates até se chegar ao texto vigente.

Para a psicóloga Roseli Goffman, do Conselho Federal de Psicologia, os 15 anos de debates em torno da questão, unindo governo, donos de TV e movimentos sociais, não podem ser perdidos. “Quando foi finalmente implantada em 2007, a classificação indicativa cumpria um preceito constitucional. A sociedade precisa entender que essa é uma ferramenta de defesa das crianças e adolescentes e de proteção dessa população que é vulnerável”, disse. Ela lembrou que a medida não abrange a produção jornalística ou publicitária.

Segundo a psicóloga, o STF estará cometendo “um tremendo retrocesso” se julgar inconstitucional o artigo 254 do ECA, um importante sustentáculo da política de classificação indicativa. 

 

Para saber mais:

“Classificação indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê 
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