Ato ecumênico marca 20 anos do massacre do Carandiru, em São Paulo

Após rebelião na Casa de Detenção, 111 presos foram mortos pela tropa de choque da PM. Até hoje ninguém foi responsabilizado pelas mortes

São Paulo – A Pastoral Carcerária e movimentos sociais e de direitos humanos, que formam a Rede Dois de Outubro, vão realizar ato ecumênico amanhã (2), às 15h, na Catedral da Sé, centro da capital. A celebração faz parte da semana em memória dos 20 anos do massacre do Carandiru e pelo fim dos massacres perpetrados por agentes do Estado. Após uma rebelião na Casa de Detenção do Carandiru, em 2 de outubro de 1992, 111 presos foram mortos pela tropa de choque da PM. Até hoje ninguém foi responsabilizado pelas mortes.

Na sequência da atividade religiosa, será realizado um ato político-cultural no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), ao lado da Catedral. De lá, os manifestantes seguem em caminhada para a Secretaria de Justiça, no Páteo do Colégio, onde finalizam o dia com outra atividade político-cultural.

De acordo com o militante do Movimento Mães de Maio Danilo Dara, as atividades pretendem marcar o 2 de outubro como o dia pelo fim dos massacres. “Não só o massacre do Carandiru, mas todos aqueles praticados, em sua maioria, contra a população pobre e negra, que marcam a história do nosso país”, disse Dara. Para ele, não basta lembrar dos ocorridos, é preciso acabar com a impunidade dos agentes do Estado.

Danilo lembra o caso dos crimes de maio de 2006, quando 493 foram mortas por grupos de extermínio, em represália aos atentados do Primeiro Comando da Capital (PCC). Como no massacre do Carandiru, os crimes de maio de 2006 também não foram esclarecidos e ninguém foi responsabilizado pelas mortes.

No próximo sábado (6), às 11h, ocorrerá a caminhada cultural pela paz e pela liberdade, no Parque da Juventude, na zona norte. O parque foi construído em 2003 no lugar onde ficava o presídio, após sua demolição. Hoje há, naquele espaço, a Biblioteca São Paulo e a Escola Técnica Estadual (Etec) Parque da Juventude. No local não existe nenhuma menção ao presídio ou ao massacre.

Julgamento

O anúncio do julgamento de 28 policias militares acusados de participação no massacre foi recebido com ressalvas por movimentos sociais e organizações de direitos humanos. Para os militantes o processo deixa muito a desejar, por exemplo, por não ter entre os réus o ex-governador Luis Antônio Fleury Filho e o ex-secretário de segurança Pedro de Campos, ambos mandatários no estado de São Paulo, em 1992.

O coordenador nacional da pastoral carcerária, padre Valdir Silveira, afirmou que a resolução do caso não se resume à prisão dos acusados. “Por no presídio não resolve, não melhora nada. A primeira coisa seria afastá-los dos cargos que eles têm. Depois reparar as famílias, que também são vítimas do Estado”, disse.

Além disso, Silveira considera que é preciso punir também aqueles que comandam os policias e não só os executores da ação, sob o risco de repetir uma lógica de punição somente das classes mais pobres. “O policial que cometeu o ato tem de ser punido, sim. Mas quem mandou ele puxar o gatilho é mais responsável ainda. Ou você põe no banco dos réus quem comanda, ou somente irá punir quem está na ponta da violência, quem é o policial ou agente penitenciário que pertence à mesma classe social dos presos.”

O sobrevivente do massacre Sidney Sales disse que não acredita mais em justiça e acredita que uma condenação agora geraria mais violência. Para ele, o Estado poderia ter tomado outra atitude em relação à rebelião. “Cortasse água, luz, alimentação, não teríamos como manter a rebelião por muito tempo. Era só pensar um pouco. E hoje, falar em justiça, quando o responsável está morto, mas foi o deputado mais votado do estado de São Paulo!? É difícil pensar nisso”, lamentou.

Para Sales, é tempo de se preocupar com a preparação das polícias, com uma humanização das relações, visando a reabilitação. “É preciso dar qualificação aos presos, ter programa de emprego para os presos. É preciso pensar em novas políticas de segurança e não só em mais e mais condenação”, conclui.