Moradia

Máquinas destróem bens de moradores da zona leste de SP durante reintegração de posse

Defensoria Pública irá averiguar irregularidades, mas admite que tentativa é 'teoria do fato consumado'

São Paulo – Quase dois salários mínimos: R$ 1.315. É o preço cobrado pelo milheiro de tijolos de concreto em uma loja de materiais de construção perto do bairro São Rafael, na zona leste de São Paulo. Hoje (26), durante todo o dia, um terreno no bairro ocupado por pelo menos 100 famílias teve uma operação de reintegração de posse consumada.

Casas de alvenaria foram destruídas. Imagens exibidas pela televisão flagram centenas de blocos ainda não usados sendo destruídos por uma das máquinas. O valor dos tijolos deve ser multiplicado para se chegar ao prejuízo financeiro, além do abalo emocional, incalculável, dos despejados.

O terreno tem vários proprietários, entre eles membros da família Zarzur, dona de empresas do setor de construção civil, que não empreendeu nada na área. Desde os anos 1990, esta é a quarta vez que o terreno é ocupado e depois desocupado com auxílio da polícia. “É um terreno baldio, que não cumpre a função social”, lembra o defensor público da regional Itaquera Rafael Menezes. A função social da propriedade é prevista em lei federal.

O terreno, de 75 mil metros quadrados, é dividido em cinco áreas. Em duas delas, moradores já viviam nos locais há 20 anos. Em outras, as pessoas moravam havia no máximo um ano. O processo para retirada das famílias foi movido por dois proprietários do terreno, sem conhecimento das famílias. Em março deste ano, os moradores procuraram a Defensoria Pública, que passou a representá-los. A decisão do despejo foi expedida pela 1ª Vara Civil do Fórum de Itaquera. Os donos do terreno disponibilizaram 15 caminhões, dois tratores e três depósitos para onde foram levados os móveis dos moradores.

“Os tijolos que estavam empilhados deveriam ser retirados. Era um bem que não tinha sido usado. A rigor, deveria ser guardado junto com outros pertences dos moradores”, afirma Menezes. Essa e outras irregularidades no processo de despejo serão apuradas pela Defensoria Pública, que acompanhou a ação durante todo o dia.

Os moradores afirmam que não tinham informações precisas sobre a reintegração do terreno ao patrimônio da família Zarzur e dos outros proprietários. Alguns, com medo, deixaram a área.

Um grupo de moradores atirou objetos nos policiais militares e fez barricadas com lixo e carros incendiados. Os PMs dispararam bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Algumas pessoas ficaram feridas.

O defensor explica que, normalmente, a liminar que determina a reiteração prevê que quem queira contestar de alguma forma a reiteração pode entrar posteriormente com uma ação. Mas admite que depois que móveis são retirados e casas são demolidas, a ação não passa de formalidade.

“É teoria do fato consumado. Num processo desse, quando tudo já foi demolido, praticamente o que vai acontecer é a consumação da decisão primeira do juiz que determinou a reintegração”, afirma sobre a situação rotineira em várias locais do país. “O que vamos tentar fazer lá é buscar uma indenização. Mas isso também é difícil”, admite Menezes.

Com informações da Agência Brasil