São Paulo

Mais liberdades provisórias por furtos reduzem crime em São Paulo

Contrariando os argumentos mais conservadores, Tribunal de Justiça concede liberdade provisória para três em cada quatro acusados de furtos e crime reduziu 8,7% na capital paulista

CNJ/ Divulgação

Brasil tem população carcerária de 607 mil detentos, atrás dos EUA, China e Rússia

São Paulo – No primeiro semestre de 2015, a Justiça paulista concedeu um número considerado elevado de liberdades provisórias para acusados de furtos na capital paulista (1.301) e, contrariando os argumentos mais conservadores, o total de furtos na cidade de São Paulo reduziu. O índice caiu 8,7% entre março e julho, se comparado ao mesmo período de 2014, passando de 104.485 para 95.393, segundo dados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP).

Ao todo, 1.746 pessoas presas no período em São Paulo por furto, tentativa de furto ou furto qualificado, foram ouvidas em audiências de custódia, por meio de um projeto do Conselho Nacional de Justiça, que prevê a apresentação a um juiz de toda pessoa detida em flagrante no prazo mais breve possível. Após avaliar as circunstâncias da prisão e a necessidade de manter o acusado detido até o julgamento, a Justiça decidiu pela liberdade provisória de três em cada quatro acusados – ou 74,51%.

Especialistas em segurança pública e violência acreditam que os resultados contrariam o ceticismo de alguns críticos que esperavam que a postura poderia aumentar os índices de criminalidade. “Se a liberação de autores de furto não gerou um aumento do número de furtos e, inclusive, há um refluxo nesse índice, pode-se afirmar que o argumento conservador não é verdadeiro”, afirmou o representante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, professor Rafael Alcadipani, ao portal do CNJ.

O pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), Bruno Paes Manso, defendeu que prisão não é a única solução para reduzir a criminalidade. “O Brasil cobra mais prisões, mas é o quarto país que mais encarcera no mundo e segue sendo o ‘país da impunidade’. Muitos críticos poderiam dizer que conceder direitos a pessoas que os têm, por lei, é permissividade e aumenta o crime. As audiências de custódia estão mostrando que isso não ocorre”, afirmou ao CNJ.

O Brasil tem hoje uma população carcerária de 607 mil detentos, segundo o Ministério da Justiça, atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia.

Furto é o crime cometido por um em cada dois presos liberados nas 5.958 audiências de custódia realizadas até o fim de julho pelo TJSP. Desde o início do projeto, foram 2.602 liberdades concedidas a autores do crime, que prevê pena inferior a quatro anos, quando não é qualificado. Em muitas das decisões pela liberdade, juízes determinaram medidas cautelares a serem cumpridas pelos acusados, como comparecimento mensal ao juízo, comunicação obrigatória de qualquer mudança de endereço e uso de tornozeleira eletrônica, além do pagamento de fiança.

Para o diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, o poder de dissuasão das audiências de custódia possa ser uma das explicações para um número menor de furtos em São Paulo. “Quando a pessoa percebe que há uma consequência para seus atos, pode ser que seja dissuadida a incidir no crime novamente. Esse efeito de dissuasão é ainda maior num crime como furto, que é porta de entrada para o mundo do crime”, diz Marques.

O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador José Renato Nalini, concordou. “Não podemos deixar de considerar que contribui (para a queda dos índices de furto) o fato de a pessoa detida encarar o juiz, ser chamada à atenção e ouvir do juiz que a licitude é o caminho correto. Não é o único fator que explica o fenômeno, mas ajuda a explicar”, afirmou ao CNJ.

Além de São Paulo, outros 18 estados brasileiros aderiram ao projeto de audiências de custódia. Em alguns estados, o governo estadual comprometeu-se a fazer a apresentação dos acusados de crimes a um juiz em até 24 horas. Depois de São Paulo, primeiro estado a aderir ao projeto, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Paraná, Amazonas, Tocantins, Goiás, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Ceará, Santa Catarina, Bahia, Roraima, Acre e Rondônia já participam da iniciativa. A expectativa é que, até 9 de outubro, todas as capitais do país realizem audiências de custódia.