Interrupção de gestação em caso de anencefalia tem cinco votos favoráveis no STF

Dos 11 ministros, seis manifestaram seus votos nesta quarta (11). Apenas um foi contrário. A decisão ficou para esta quinta

A sessão foi encerrada com o primeiro voto contrário a negociação (Foto: Nelson Junior/STF)

São Paulo – Ficou para amanhã (12) o resultado do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 sobre a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos (com malformação do tubo neural) sem que a prática seja considerada criminosa. Após quase oito anos de discussão, dos 11 juízes, cinco já aprovaram a interrupção da gravidez nesses casos. Além do relator, Marco Aurélio Mello, foram a favor da mudança Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Carmem Lúcia. O primeiro voto contrário foi do ministro Ricardo Lewandowski, que encerrou a sessão.

O ministro Marco Aurélio considerou procedente o pedido feito pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) para declarar inconstitucional a interpretação dada aos artigos 124, 126 e 128 (incisos I e II) do Código Penal, que criminaliza a antecipação terapêutica de parto nos casos de anencefalia.

“A incolumidade física do feto anencéfalo, que, se sobreviver ao parto, o será por poucas horas ou dias, não pode ser preservada a qualquer custo, em detrimento dos direitos básicos da mulher”, afirmou o ministro, ao sustentar a descriminalização da prática. Para ele, é inadmissível que o direito à vida de um feto que não tem chances de sobreviver prevaleça em detrimento das garantias à dignidade da pessoa humana, à liberdade no campo sexual, à autonomia, à privacidade, à saúde e à integridade física, psicológica e moral da mãe, todas previstas na Constituição.

Para Marco Aurélio, obrigar a mulher a manter esse tipo de gestação significa colocá-la em uma espécie de “cárcere privado em seu próprio corpo”, deixando-a desprovida do mínimo essencial de autodeterminação, o que se assemelha à tortura. “Cabe à mulher, e não ao Estado, sopesar valores e sentimentos de ordem estritamente privada, para deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez”, disse.

A ministra Rosa Weber também votou a favor da descriminalização. Para ela, a manutenção da gravidez  “viola o direito fundamental da gestante, já que não há direito à vida nesses casos”. Para Rosa, a ação promove a defesa do direito reprodutivo da mulher. “Não está em jogo o direito do feto, mas da gestante. A proibição da antecipação do parto fere a liberdade de escolha da gestante que encontra-se na situação de carregar o feto anencéfalo em seu ventre.”

Rosa Weber entendeu que os fetos anencéfalos não atendem aos conceitos de vida descritos na Constituição. A ministra defendeu ainda que a interrupção da gravidez, nesses casos, não deve ser interpretada como aborto. O ministro Joaquim Barbosa antecipou seu voto, também favorável à interrupção da gravidez. Ele remeteu a argumentação a decisões antigas que já tomou na corte.

Para o ministro Luiz Fux, impedir a interrupção da gravidez de um feto anencéfalo equivale a impor uma tortura à gestante, o que é vedado pela Constituição Federal. Segundo ele, é a mulher quem deve decidir entre levar ou não a gravidez adiante nesse caso. E aquela que decidir pela interrupção da gestação não poderá ser criminalizada.

“É justo colocar essa mulher no banco do júri como se fosse a praticante de um delito contra a vida? Por que punir essa mulher que já padece de uma tragédia humana?”, indagou. “O aborto é uma questão de saúde pública, não do direito penal”, disse.

Em seu voto, Fux citou estudo publicado este ano em uma revista médica norte-americana que constatou que 84% dos fetos anencéfalos morrem nas primeiras horas após o parto. A média de vida é 51 minutos. Segundo o ministro, as mulheres que desejarem dar prosseguimento à gravidez de fetos anencéfalos terão seu direito garantido. A interrupção deve ser uma escolha, esclareceu o ministro. “O Supremo Tribunal respeita as mulheres que querem levar adiante o parto”, disse.

A ministra Carmen Lúcia disse que o útero é o primeiro berço do ser humano. “Quando o berço se transforma num pequeno esquife, a vida se entorta.” Citando Guimarães Rosa, a ministra lembrou o sofrimento da mãe que prepara o corpo do filho morto para ser sepultado e afirmou que não se pode esquecer do sofrimento do pai e dos irmãos de um feto anencéfalo. “Não há bem jurídico a ser tutelado pela norma penal que possa justificar a impossibilidade total de a mulher fazer a escolha sobre a interrupção da gravidez”, disse.

Procuradoria

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, defendeu que a própria gestante tenha autonomia para decidir sobre a antecipação do parto nos casos de fetos anencéfalos. para ele, nessa questão extremamente delicada, cabe à mulher decidir com sua própria consciência sobre a interrupção da gravidez, e essa decisão não pode ser proibida ou criminalizada pelo Estado.

“A antecipação terapêutica do parto na anencefalia constitui exercício de direito fundamental da gestante. Com isso, não se está afirmando que as mulheres devem ser obrigadas a interromper a gestação nesta hipótese, o que seria uma terrível violência para aquelas que, em decisão livre, preferissem levar sua gravidez até o final. O que se está sustentando é que a escolha sobre o que fazer, nessa difícil situação, tem de competir à gestante, que deve julgar de acordo com os seus valores e a sua consciência, e não ao Estado. A este cabe apenas garantir os meios materiais necessários para que a vontade da mulher possa ser cumprida, num ou noutro sentido”, sustentou. Segundo ele, o posicionamento se formou  a partir do exame cuidadoso do volumoso material reunido nos dois sentidos propostos e, acima de tudo, baseada em muita reflexão. “Essa convicção se lastreia na conjugação de fundamentos científicos e fundamentos jurídicos, notadamente constitucionais”, afirmou. 

O ministro Lewandowski, contrário ao processo, disse que o STF só pode exercer o papel de legislador negativo (ou seja, não pode criar normas).