Fundamentalismo se aprofunda na política e ameaça democracias, afirmam religiosos
Lideranças religiosas reúnem-se em evento paralelo à sessão de Direitos Humanos da ONU para debater intolerância
Publicado 20/03/2021 - 15h29

São Paulo – “O fundamentalismo religioso é resultado de uma estratégia que ameaça e busca controlar as democracias.” A conclusão faz parte de uma nota assinada por organizações brasileiras que participaram do debate “Intolerância Religiosa no Brasil: Direitos Humanos – Novos Fundamentalismos – Exclusão”.
Ocorrido na última quarta-feira (17), o evento paralelo à 46ª sessão ordinária de Direitos Humanos das Nações Unidas reuniu representantes de diferentes religiões. “A confluência dos fundamentalismos políticos, religiosos, econômicos e sociais resultam nesse movimento de intolerância que, em sua maioria, são movidos pelo ódio à diversidade”, apontou Elaine Neuenfeldt, do Programa Global de Justiça de Gênero da Aliança ACT.
Magali Cunha, do Grupo de Pesquisa Comunicação e Religião da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação), falou sobre sua pesquisa, Fundamentalismos, crise da democracia e ameaça aos direitos humanos na América do Sul. “Fundamentalismo porque são uma continuidade de transformações históricas, nascidas nos Estados Unidos nas primeiras décadas do século 20. Foi uma reação à modernidade, ao liberalismo humanista, às ciências humanas e sociais que eram mediadoras da compreensão de fé naquele momento.”
“Maioria moral”
De reativo, o fundamentalismo logo ganhou espaço na política dos Estados Unidos, nos anos 1970 e 1980, com o movimento conservador chamado “maioria moral”. Liderado pelo pastor Jerry Falwell, a ação ajudou a levar ao poder líderes direitistas, como Ronald Reagan. O grupo defendia, entre outras, a prática de orações e o ensino do criacionismo nas escolas públicas. Era contrário à emenda da igualdade de direitos, ao homossexualismo, ao aborto e a tratados de desarmamento.
“O fundamentalismo ganha força com atuação politizada e entrada dos evangélicos na política. Não que católicos não sejam considerados nesse processo. Mas essa presença mais intensa dos evangélicos é que dá mais visibilidade”, diz Magali. Segundo ela, ainda que a ação desses grupos se dê “com intensa reação aos avanços sociais, especialmente os relacionados à defesa dos direitos humanos”, “uma leitura seletiva da bíblia”, e com “o uso do medo, como elemento compulsório” que atualmente se multiplica pela desinformação e disseminação de fake news.
Perseguição às religiões africanas
“As religiões de matrizes africanas sempre foram perseguidas, num movimento de perpetuação do racismo no Brasil. Como forma de quebrar nossos valores e nossas conexões”, afirmou a historiadora Wania Sant’Anna, integrante da Coalizão Negra por Direitos e vice-presidenta do Conselho do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).
Ela lamenta a “demonização” da afro-religiosidade, em especial por seitas neopentecostais. E relembra que, em 1989, a mãe de santo Beata de Iemanjá (morta em 2017) entregou, com um pequeno grupo, um documento à Procuradoria- Geral da União. O dossiê, com 300 páginas, continha denúncias sobre a atuação racista e persecutória de programas de rádio e televisão.
“As organizações de direitos humanos pouco se abalaram com o que estava acontecendo. Nós avisamos da urgência de que algo muito ruim e grave estava ocorrendo”, diz Wania. Como resultado, acrescenta, as religiões neopentecostais se espalharam nos territórios e comunidades, crescendo nas periferias. “Foram colher as rosas do nossa jardim.”
O babalaô Ivani dos Santos relembrou que a perseguição às religiões de matrizes africanas constavam no Código Penal (CP) de 1890. “É a única religião que foi perseguida por lei no Brasil”, afirma. Os artigos 157 e 158 daquele CP qualificavam como feitiçaria as religiões dos negros, e estipulavam penas como multa e detenção.
A mesa reuniu ainda a pajé Adelaide Lopes, do movimento de mulheres indígenas, e a pastora Romi Márcia Bencke, secretária geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic). E teve mediação de Paulo Lugon, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).