Grupo pró-cotas em São Paulo ataca proposta estadual: ‘Não aceitamos migalhas’

O advogado Silvio Almeida diz que movimentos exigem a implementação da política de cotas raciais no estado de São Paulo (Foto: Silvio Almeida) São Paulo – A resistência da Secretaria […]

O advogado Silvio Almeida diz que movimentos exigem a implementação da política de cotas raciais no estado de São Paulo (Foto: Silvio Almeida)

São Paulo – A resistência da Secretaria de Justiça de São Paulo à política de cotas raciais provocou reação indignada de representantes do movimento negro no estado. Em matéria publicada ontem (19) pela Rede Brasil Atual, o coordenador de Políticas Públicas para a População Negra e Indígena da Secretaria estadual, Antonio Carlos Arruda, disse que as cotas mais prejudicam do que ajudam e que o sistema ideal – para ingresso em universidades públicas – seria o de pontuação extra aos candidatos desses grupos.

A ideia foi rechaçada pelo advogado Silvio Luiz de Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama, uma das entidades que compõem a Frente Pró-Cotas do Estado de São Paulo.

“Os negros e os indígenas do estado de São Paulo não aceitarão mais migalhas, enquanto esperam ‘pacientemente’ a boa vontade dos luminares da política bandeirante. Esse sistema de pontos acrescidos proposto pela Coordenadoria é uma vergonha”, criticou.

Para Almeida, o estado precisa avançar nas políticas afirmativas e rever sua postura, tendo em vista a decisão do STF que, em abril, considerou constitucional o sistema de cotas nas universidades.

Leia abaixo entrevista com Silvio Luiz de Almeida.

O que representa o PL 321/12 para o povo negro e indígena de São Paulo?

Primeiramente, nos últimos dez anos, diversas propostas foram apresentadas na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Destaco especialmente o PL 530/2004, que foi uma das inspirações para a construção do PL 321/12.  Esse primeiro, assinado por diversos deputados, pertencentes a diferentes partidos, foi e continua sendo um projeto muito interessante. A diferença fundamental entre os dois projetos é que este último incorpora o estágio atual do debate jurídico-político sobre as ações afirmativas, reafirmado pela recente decisão do STF.

O PL 321/12, assim como o anterior, representa a possibilidade de melhoria real no acesso às universidades públicas, por essas populações no estado, e diz respeito a reivindicações legítimas dos negros e indígenas. Vale ressaltar que elas estiveram legalmente amparadas, principalmente por uma decisão unânime da Suprema Corte. Para o STF, as universidades só poderão ser consideradas espaços de livre saber, de pluralidade de ideias e de verdadeira democracia se a presença de afrodescendentes e indígenas for garantida por meio de ações efetivas do estado, diferentemente do que ocorre hoje.

Os projetos de lei se vinculam apenas à política partidária?

Não. Eles estão relacionados à grande política, àquela que fala à justiça e à cidadania; nasceu do desejo de uma parcela significativa da população paulista que viu que não há mais espaço de convivência entre os anseios por desenvolvimento social e econômico e a vergonhosa desigualdade com que afrodescendentes e indígenas são tratados nesse país.

O PL tem potencial de gerar uma mudança concreta na estrutura da educação superior nas universidades públicas do estado de São Paulo?

Transformadas em lei, as propostas contidas nos PLs podem trazer mudanças expressivas na estrutura do ensino superior de São Paulo. Basta lembrar que as instituições de ensino superior estaduais foram estruturadas sem a presença de afrodescendentes e indígenas, sem que, portanto, direção, funcionários, corpo docente e até corpo discente se preparassem para a diversidade, para a pluralidade.

Aprovadas e executadas, as propostas poderiam criar um ambiente em que conviver com a alteridade será uma necessidade. O racismo, as desigualdades e as injustiças não seriam apenas objetos de teses acadêmicas, mas poderiam ser diretamente relatadas por pessoas que frequentam – agora na condição de alunos – o locus universitário. Imagine o impacto disso nas pesquisas acadêmicas! Na busca de soluções políticas e científicas para os problemas do nosso cotidiano. Na composição do corpo docente. Perceba como a universidade terá que se transformar para satisfazer as exigências dessa nova circunstância. Estudar em uma universidade pública não será mais um privilégio, mas um direito.

Todavia, sabemos que o acesso à universidade é apenas um passo. Um passo importante, mas apenas mais um passo na busca por igualdade. Porém, a igualdade material nas relações sociais requer transformações profundas na estrutura econômica e política, algo que vai além do acesso à educação superior.

A Coordenadoria de Políticas para a População Negra e Indígena de São Paulo tem como opinião que a melhor alternativa é o sistema de pontuação acrescida, ao invés do sistema de cotas. Por exemplo, na nota de alguém que se autodeclarasse negro ou indígena, haveria 3% de acréscimo em cima do valor que o aluno tirasse na prova. O que pensa sobre o assunto?

Os negros e os indígenas do estado de São Paulo não aceitarão mais migalhas, enquanto esperam “pacientemente” a boa vontade dos luminares da política bandeirante. Esse sistema de pontos acrescidos proposto pela Coordenadoria é uma vergonha, é a política de continuar dando migalhas para negros e índios. O estado está em contradição com os avanços políticos do restante do Brasil no que se refere à inclusão étnico-racial.

Com uma reserva de vagas de 20%, por exemplo, mesmo que ainda não o seja suficiente, negros e indígenas efetivamente estariam na universidade, com chances reais de mudarem suas vidas, as vidas de suas famílias, a sociedade, sem ter que aguardar mais 120 anos por uma reforma no sistema educacional básico que até agora não se anunciou.

Também, todo programa de cotas exige uma nota mínima para a classificação e dentro da universidade as condições serão as mesmas para cotistas e não cotistas. Sinto muito que a Coordenadoria esteja ajudando a propagar mitos e inverdades sobre o funcionamento e a eficácia do programa de cotas, além de ignorar todo o resultado positivo dos últimos dez anos em outras partes do Brasil.

A opinião da Coordenadoria é que o sistema de cotas é rígido e fechado. O que o movimento pensa sobre isso?

Vamos voltar à decisão do STF: o sistema de cotas promove o que se chama de “discriminação positiva”, o que só é admitido em caráter temporário, pois trata-se de medida urgente garantir a presença de afrodescendentes e indígenas no espaço predominantemente branco das universidades.

Será que para a Coordenadoria os 4% de negros da USP e os 8% da Unicamp são suficientes? São melhores que os 20% das propostas que tramitam na Assembleia? Quero crer que não. Tivesse feito a lição de casa, lido as propostas legislativas em trâmite na Assembleia e os votos dos ministros do STF, a Coordenadoria veria que o sistema de cotas deve ser periodicamente reavaliado pelo Legislativo, o que impede a formação de um sistema “rígido e fechado”, como erroneamente fala o coordenador. Rígidas e fechadas são as universidades públicas do estado de São Paulo. Rígidas com as minorias e fechadas à democracia e à diversidade étnico-racial.