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Fogo em posto de saúde Yanomami expõe ineficiência do combate aos garimpeiros

As Associações Yanomami Urihi e Hutukara voltam a denunciar a situação extrema de violação de direitos dos povos do território. Segundo lideranças, garimpeiros queimam posto de saúde para vingar destuição de maquinário do garimpo ilegal pelo Ibama

Reprodução/Cimi
Reprodução/Cimi
A região Homoxi, onde está o posto destruído, é habitada por cerca de 700 indígenas. Em setembro passado, o atendimento foi paralisada por conta das ameaças dos garimpeiros aos servidores

São Paulo – A falta de ações de proteção do território Yanomami e a ineficiência no combate aos garimpeiros ficam ainda mais evidentes com o incêndio na Unidade Básica de Saúde de Homoxi, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). No último dia 7, a Urihi Associação Yanomami denunciou o fogo criminoso no posto de atendimento localizado às margens do Rio Catrimani, na Terra Indígena Yanomami (TIY), em Roraima.

Em nota, o presidente da Urihi, Junior Hekurari, informou sobre o ato criminoso cometido por garimpeiros que vivem na localidade, em retaliação à operação Guardiões do Bioma, realizada pela Polícia Federal (PF) e Ibama no dia anterior, 5 de dezembro.

“Houve uma operação do Ibama e da Polícia Federal lá no Homoxi, onde queimaram máquinas e helicópteros dos garimpeiros. E aí, esse Posto da Unidade de Saúde apareceu queimado. Eu acredito que foram os próprios garimpeiros que tocaram fogo na Unidade, por raiva”, explicou Hekurari.

A opinião é compartilhada por Dario Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, que divulgou imagens do posto queimado e afirmou que foram “os garimpeiros que queimaram o nosso posto de saúde Yanomami na região de Homoxi”.

A versão das lideranças foi desmentida pelos garimpeiros, que afirmaram ser o próprio Ibama o autor do incêndio da UBSY. Em um outro informe, a acusação dos garimpeiros é contestada por Urihi Associação Yanomami por meio da publicação de imagens que revelam o posto intacto durante operação do órgão ambiental. Na postagem é informado, também, que o próprio Ibama desmentiu a acusação dos garimpeiros.

Para se vingar, garimpeiros culpam Ibama

“Os garimpeiros têm divulgado que foi o Ibama que queimou, mas não foi. Na manhã da quinta-feira (8/12) tivemos acesso a um vídeo que mostra a unidade de saúde intacta durante a operação do Ibama. Também, recebemos informações que o órgão alegou que as denúncias dos garimpeiros são falsas e disse repudiar ‘qualquer ato ou ataque contra seus servidores, que atuam estritamente dentro dos limites legais, em operações conjuntas de combate aos crimes ambientais’”, informam os indígenas na postagem.

Na tentativa de responsabilizar o Ibama, garimpeiros filmaram indígenas Yanomami de outra região, por eles aliciados, atribuindo à instituição a autoria do crime. “Os garimpeiros filmaram os Yanomami, e durante as gravações sugeriram que o crime havia sido cometido pelo Ibama. Neste mesmo vídeo, o invasor não revela sua identidade, apenas induz os indígenas a contestarem os fatos ocorridos naquela região. Os indígenas que foram filmados não pertencem à região do Homoxi, fazem parte da região do Haxiú, e segundo relatos, os mesmos trabalham juntamente com os garimpeiros, em troca de alimentação e roupas”, informa a nota

A postagem denuncia, ainda, a situação de violência que se mantém em território Yanomami. “A Terra Indígena Yanomami segue tomada pelos invasores, que aliciam as mulheres e induzem os homens a realizarem trabalhos, largando seus modos de vida”.

Na avaliação de Júnior Hekurari, as operações da Polícia Federal e do Ibama trazem resultados positivos. Mas os “garimpeiros são estratégicos e a área onde estão são lugares muito grandes”, explica. Para ele, a resolução do problema depende da união dos órgãos competentes com uma operação continuada com planejamento e inteligência.

Projeto político de morte

“Tem que se juntar a Polícia Federal, Ibama, Exército, porque o Exército é importante porque parte da TIY é fronteira, então é de Segurança Nacional. Então, tem que se juntar para fazer uma grande operação, continuada, planejada, de inteligência, em todo o território Yanomami. Com apoio do Exército, apoio do governo federal, helicópteros, tem que se concentrar todas essas operações dentro da TIY. Assim, vão limpar a TIY”, afirma a liderança ao lembrar da Operação Selva Livre realizada na década de 1990 e que obteve resultados importantes na desintrusão dos garimpeiros.

“Já funcionou. Na década de 90, 92, tinha mais de 40 mil garimpeiros. A Operação Selva Livre se concentrou em Surucucu. Então, eles resolveram isso e mostraram que isso tem resultado. Se intencionam fazer isso de novo, vão limpar tudo”, considera Hekurari.

Realizada pelo Exército Brasileiro no início dos anos 1990, a Operação Selva Livre se concentrou na região de Surucucu, com a missão de “evacuar” os invasores da TIY. A operação identificou pistas de pouso, fez contato com os garimpeiros para “evacuação” voluntária com prazos determinados, acionou a Polícia Federal para providências criminais ao encontrar aeronaves e garimpos em funcionamento e emitiu ordem de prisão a venezuelanos armados que estavam em território nacional.

Operação contra garimpeiros nos anos 1960

Segundo o Irmão Carlos Zacquini, missionário que atua com os Yanomami desde os anos 1960, a Operação Selva Livre, realizada na mesma época da demarcação do território Yanomami, foi a única capaz de retirar os garimpeiros da TIY com eficiência.

“Em 90, 91 e 92 houve a única operação de retirada de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami bem-sucedida. Comandada pelo delegado Paulo Cotrim, da PF. Nessa época a Terra Indígena Yanomami foi demarcada e homologada. Foram dinamitadas, inclusive várias pistas de pouso. Antes e depois disso só aconteceram ações pontuais, sem continuidade, e a situação só foi piorando”, disse.

Júnior Hekurari e Zacquini entendem que são projetos políticos que definem a retirada ou o fortalecimento do garimpo no território Yanomami. Para Zacquini as denúncias que saíram na imprensa sobre a construção de uma grande estrada na TIY que favorece o garimpo com maquinário pesado não pode ser feita sem a conivência do governo.

Estruturas sólidas no meio da floresta

“A revelação no Fantástico (Rede Globo em 11/12) que construíram 150 quilômetros de estrada na TIY, é muito significativa. Uma coisa dessa só é possível com a conivência do governo, se não com o apoio dele”, disse.

Para o Cimi, a principal conclusão que se chega quando se olha para o histórico de denúncias, reivindicações e recomendações é a extrema necessidade de desintrusão do garimpo na TIY. O incêndio à UBSY é uma forma de retaliação às ações da PF e do Ibama na região e revela sólidas estruturas de garimpo construídas em meio a floresta, bem como as violências sofridas pelos indígenas que vivem em áreas impactados pelo garimpo.

Dentre elas está a situação das crianças com desnutrição grave da comunidade Kataroa, na região do Surucucu, onde a USBY está desativada desde o ano passado e que, agora, foi destruída pelo incêndio.

Quem vai reconstruir o posto de saúde?

Uma das preocupações prementes para Júnior Hekurari é como será resolvida esta situação. A região Homoxi é habitada por cerca de 700 indígenas. Em setembro passado, a UBSY foi paralisada por conta das ameaças que os servidores vinham recebendo dos garimpeiros.

“Estamos preocupados com essa UBSY, quem vai reconstruir? Tudo que existe ao sistema não indígena se chama planejamento, né? Tem orçamento para fazer. Mas, sabemos muito bem que orçamento da saúde Yanomami, orçamento da saúde indígena foi cortado mais de 70%. Estamos sofrendo. Então, a gente pergunta, quem vai fazer? Quem vai reconstruir a UBSY do Homoxi? Enquanto isso, as comunidades vão ser muito prejudicadas, não têm atendimento. É uma preocupação muito grande”, disse o presidente.