Futuro

Enviado da ONU ao Rio afirma que jovens querem muito mais que votar

Debatedor afirma em evento da Jornada Mundial da Juventude que futuro da democracia passa por interação diária entre governos e população. Participantes pedem que mais velhos abram espaço

UNIC Rio/Amanda Bergman

Alhendawi citou Lula e disse que “vozes globais” estão pedindo governos mais responsáveis

Rio de Janeiro – “Nunca foi fácil ser governo e isso está se tornando cada vez mais difícil. Por isso, todos nós também temos que estar envolvidos na governança”, afirmou o jordaniano Ahmad Alhendawi a dezenas de lideranças católicas, de cinco continentes, presentes no evento “Jovens e cultura de paz”, promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU), na manhã de hoje (23), durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

Inspirado pelo artigo A democracia não é um pacto de silêncio, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o diplomata analisa que “vozes globais estão pedindo governos mais responsáveis”. “Votar é muito importante e todos vocês devem votar sempre. Mas a sociedade quer mais que isso, ela quer ter interação diária com os governos”, destacou Alhendawi. “Esse é o futuro da democracia.”

Ainda sobre a crise, o enviado da ONU afirma que “a melhor geração de jovens do planeta” sofre com a falta de perspectivas no mercado de trabalho. Segundo o estudo divulgado em maio deste ano pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), 73,4 milhões de jovens entre 15 e 24 anos estão desempregados no mundo.

Alhendawi avalia que este índice não está relacionado com o grau de escolaridade da população. “Há jovens com mestrado que estão desempregados há mais de um ano.” Para o diplomata, a questão demanda mudanças profundas no sistema educacional e a elaboração de políticas que fomentem o empreendedorismo entre a juventude. “Precisamos de um sistema educacional que inove o mercado de trabalho, que ensine como pensar e não o que pensar. Os novos analfabetos do século 21 são aqueles que não conseguem aprender, reaprender e aprender de novo, porque as coisas estão mudando muito rápido e é preciso acompanhar estas mudanças.”

A crise nos cinco continentes

A gerente de supermercado Madeleine Gilbery, de 21 anos, concorda com Alhendawi. “A minha cidade, Melbourne, é a mais difícil de se conseguir um emprego em toda a Austrália.” Teóloga, ela lembra que os dados não refletem a realidade de quem vive o drama: “Vemos muitos números, mas, no final das contas, cada número é uma pessoa”.

O professor de Inglês Ravi Budhooram, de 21, acrescenta que, assim como ele, muitos jovens com boa escolaridade deixam a Jamaica para trabalhar no Japão em busca de um lugar no mercado de trabalho. Negro e católico, ele se diz um agente da paz: “Temos que ter tolerância. Abraçar o amor é o primeiro passo”.

Para a estudante francesa de Administração Cassandra Le Cozanhet, de 22, a saída para o desemprego global é investir na empreendedorismo social. “Somos dinâmicos e cheios de energia. Nós podemos fazer as coisas avançarem, mas é preciso que a geração mais velha dê espaço para que os jovens possam inovar.”

Já o jovem norte-americano Peter Cahill pondera: “Empreender é importante. Porém, devemos ir além do sucesso superficial e buscar construir empresas verdadeiramente comprometidas em resolver os problemas”.

“O dinheiro escraviza pessoas em empresas que visam apenas o lucro. Temos de mudar isso e o Facebook, o Twitter, podem ser meios para fazer essa mudança”, argumentou o brasileiro Thiago Lopes. “O desafio da juventude é mudar o mundo, nós temos esse poder, e a JMJ é o maior encontro global de jovens.”

“A fé católica nos reuniu aqui, mas isso não significa que somos todos iguais. Bem, essas diferenças poderiam gerar uma certa inquietude. Mas, ao superá-las, nos apresentamos como uma juventude capaz de promover a paz”, refletiu a sul-africana e estudante de Medicina Erin Byrne, 21.

Temas polêmicos

O enviado da ONU foi questionado pelo público católico sobre a defesa da descriminalização do casamento homoafetivo, do aborto e o apoio ao uso de preservativos. “Não se trata de algo contra algo. Não temos preferência por nenhuma religião. A ONU é contra qualquer tipo de discriminação. Nós defendemos a Declaração Universal dos Direitos Humanos. As pessoas não podem ser condenadas pela sua escolha. Nenhuma desculpa justifica a discriminação”, respondeu Alhendawi.

Por fim, o coordenador residente do sistema ONU no Brasil, Jorge Chediek, destacou que o país anfitrião da JMJ é um parceiro importante para a organização na promoção da cultura da paz. “O Brasil é um dos países mais violentos do mundo. Entre 2002 e 2011, 180 mil jovens foram assassinados. Dois a cada três eram negros. Nós contamos com o apoio e a liderança de todos vocês para mudar esta realidade aqui e em todo mundo.”
Uma foto com todos os participantes presentes encerrou o debate, fraterno e apimentado, entre a ONU e as jovens lideranças católicas dos cinco continentes do globo.