Estádio do Botafogo foi campo de concentração, diz advogado

Em sessão na OAB do Rio de Janeiro, Comissão Nacional da Verdade ouviu 11 advogados ligados a presos políticos durante a ditadura

Depoimento à Comissão da Verdade lembrou que estádio Caio Martins, em Niterói, foi usado como prisão pelo regime militar (CC/TAdvisor)

São Paulo – Relatos da existência de uma espécie de campo de concentração do período da ditadura militar (1964-85) foram ouvidos na terça-feira (11) na sessão solene em que a Comissão Nacional da Verdade (CNV) tomou depoimentos de advogados de presos políticos do período. O advogado trabalhista Manoel Martins afirmou em seu depoimento que, em abril de 1964, os defensores das reformas de base do ex-presidente João Goulart foram presos num campo de concentração montado no estádio Caio Martins, em Niterói. O estádio pertence ao governo do Estado do Rio e é arrendado pelo Botafogo desde os anos 1980.

A sessão foi realizada na sede da Ordem dos Advogados do Brasil, sessão Rio de Janeiro (OAB-RJ), e contou com a presença dos membros da CNV Rosa Cardoso e Claudio Fonteles. Os depoimentos colhidos na sessão serão usados pelo grupo de trabalho que estuda o funcionamento da Justiça Militar, chamado Ditadura e Sistema de Justiça.

Segundo o advogado, cerca de 1.800 pessoas foram presas no estádio. “Durante 18 dias, o Caio Martins foi o terror implantado. Para ir ao banheiro, íamos acompanhados por um soldado com metralhadora”, contou. “Éramos professores, operários e camponeses, muitos evangélicos e Testemunhas de Jeová. As pessoas chegavam em caminhões”, relembrou.

Foram ouvidos 11 advogados, entre eles o ex-deputado federal Antônio Modesto da Silveira, conselheiro da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, e Eny Moreira, uma das idealizadoras do projeto Brasil, Nunca Mais, pesquisa que estudou a repressão militar a partir de documentos e processos políticos da época.

Silveira lembrou das detenções que, muitas vezes, os advogados sofriam como forma de intimidação. “Uma forma de pressão, nos ameaçando, no sentido de que não defendêssemos mais presos políticos.” Eny se emocionou ao lembrar de ver o corpo de sua cliente Aurora Maria Nascimento Furtado, mutilado pelas torturas sofridas logo após a militante ter sido presa, em novembro de 1972.

O advogado Alcione Barreto contou sobre a dificuldade que enfrentava para conseguir obter exame de corpo de delito para um preso torturado. “Os advogados pareciam pingos d’água, que, de tanto bater na pedra, a furaram. A pedra era a ditadura”, afirmou.

A membro da CNV Rosa Cardoso também deu seu depoimento, já que também advogou para presos políticos na ditadura. Ela lembrou do companheirismo na luta dos defensores da época. “Viva nosso passado, nosso companheirismo, nossa eterna solidariedade, nossa eterna amizade.”

Com informações do site da CNV