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Economista defende Estado forte e proteção aos direitos sociais na América Latina

Em evento da Fundacentro, Gabriel Strauman aponta prejuízos levados por multinacionais a comunidades e ao meio ambiente. 'Para quem elas representam vantagem?', questiona

Marcelo Camargo/ ABr

Strauman: ‘Populações tradicionais, que vivem mais próximas da natureza, acabam sendo as principais prejudicadas pelas multis’

São Paulo – O economista do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pcas) Gabriel Strauman avalia que, nos últimos anos, os governos progressistas da América Latina apostaram em um caminho de desenvolvimento considerado pouco estratégico, em geral, mantendo o modelo baseado no crescimento econômico e não na garantia de direitos sociais. “Mas eles deveriam ter apostado em medidas de fortalecimento da democracia e da dignidade da pessoa humana”, disse. “O Estado funciona com problemas em algumas áreas para a garantia de direitos, mas não é por isso que devemos defender sua redução, mas sim seu fortalecimento”, emendou o economista.

Ao participar hoje (25), do IV Congresso Internacional de Ciências do Trabalho, Meio Ambiente, Direito e Saúde, realizado em São Paulo pela Fundacentro, Strauman lembrou que a América Latina acaba sendo o destino de empresas multinacionais que exercem aqui atividades que degradam o meio ambiente e que seriam proibidas de executar em seus países de origem, que possuem rígidas legislações ambientais. “Trazer essas grandes empresas para cá tem vantagens? Tem. A pergunta é: para quem?”, questionou, lembrando que as populações tradicionais, que vivem mais próximas da natureza, acabam sendo as principais prejudicadas.

“Grandes obras insufladas por governos ditos progressistas são destruidoras da pessoa humana e do meio ambiente”, reforçou o advogado e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, Marcelo Chalreo. “Os processos de consulta à população não funcionam. Aqui nós dissemos não à (hidrelétrica) Belo Monte e, mesmo assim, ela foi feita, com uma política de compensação que não ajuda. Milhares de pescadores foram deslocados para condomínios a quilômetros do rio. Como reparar isso?”

Neste cenário, o advogado colombiano Pedro Julio Ávila, há 26 anos defensor de direitos humanos em tribunais nacionais e internacionais, disse que a alternativa é a mobilização e organização política dos povos tradicionais. “Ocorre atualmente um genocídio de comunidades tradicionais que ameaça a existência humana e afeta gravemente o meio ambiente. Precisamos usar a geopolítica a nosso favor. Precisamos articular indígenas, quilombolas, ribeirinhos do Brasil, Paraguai, Colômbia, de toda a América Latina.”

Deterioração do trabalho

O professor de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp Ricardo Antunes defendeu ontem, no mesmo evento, que os novos modelos de contratação afetam gravemente o trabalhador: “Essa hegemonia do capital financeiro não significa a perda da importância do trabalho, mas sim a corrosão do trabalho em todas as esferas e em todas as instâncias.”

Essa deterioração do trabalho é impulsionada globalmente e está se intensificando no Brasil com um discurso que defende a flexibilização trabalhista e o avanço do neoliberalismo. No mundo, a precarização do trabalho também avança. “Empresas globais na China levam ao limite a exploração do trabalho”, disse Antunes, citando casos de suicídios em empresas globais de terceirização que fabricam produtos eletrônicos. O professor afirmou ter presenciado, na Índia, uma força monumental de pessoas dispostas a qualquer trabalho.

“Os fluxos migratórios em direção ao trabalho são um laboratório da exploração do trabalho em escala global”, defendeu. “Imigrantes que eram bem recebidos para fazer trabalho sujo, com salários inferiores e condições adversas, passam a ser rechaçados”, completou. “Se não houver uma resistência forte, vamos ver um processo de devastação, com contratos uberizados, pejotizados. Seremos superexplorados. Teremos o frila fixo, usado no jornalismo, que é o trabalhador sem direito, em todos os lugares”, alertou.

O pesquisador do Instituto de Economia da Unicamp José Dari Krein defendeu que, para o capitalismo, os direitos trabalhistas são problemáticos, com a argumentação que eles encarecem a produção. Ele defende que no Brasil dos anos que antecederam 2014 foi um período “contraditório”, com melhoras de indicadores do mercado de trabalho, mas com ampliação da flexibilização. A partir de 2014, a situação piorou e houve um crescimento do desemprego.

“Com a presença forte do movimento operário desde o final do século 19, parte de ganhos de produtividade é repassada aos trabalhadores. Isso muda após os anos 1970. Hoje há uma situação de instabilidade. Tem que cumprir meta, ser extremamente qualificado e concorrer em um sistema brutal ou trabalhar em trabalhos extremamente precarizados. Você cria desemprego estrutural e diminui o índice de proteção social. Isso possibilita maior liberdade de transferência do capital financeiro”, avaliou Krein.