crimes e omissões

Dados parciais da CPT indicam aumento da violência no campo no primeiro semestre

Relatório parcial da Pastoral da Terra mostra que ao todo foram 973 conflitos, ante 900 de igual período de 2022. O período fica em segundo lugar no ranking dos mais violentos dos últimos 10 anos

Reprodução MST
Reprodução MST
Por não garantir direitos ou abusar da força policial, governos estão entre os maiores causadores de violência no campo

São Paulo – Dados parciais divulgados nesta terça-feira (10) pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) indicam aumento da violência no campo neste primeiro semestre. Segundo informações coletadas, organizadas e registradas pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno, foram ao todo 973 conflitos. Isso corresponde a aumento de 8% em comparação com igual período de 2022, com 900 conflitos. Com esse dado, o primeiro semestre de 2023 é o segundo mais violento dos últimos 10 anos, perdendo apenas para 2020, com 1.007 ocorrências.

Desse total, a ampla maioria (791) corresponde a disputas por terra. Em segundo lugar aparece o trabalho escravo rural (102) e na sequência, conflitos pela água (80). Segundo a CPT, 527 mil pessoas estiveram envolvidas nesses conflitos, ligeira queda, de 2%, em relação ao ano passado. No entanto, se mantém em taxa elevada. O número de famílias também foi um pouco menor (101.984). A explicação poderia ser a leve diminuição de conflitos em terras indígenas, nas quais a constituição familiar é considerada com um número maior de pessoas.

Em meio à violência no campo,

  • 878 famílias tiveram suas casas destruídas;
  • 1.524 viram seus roçados serem destruídos;
  • 2.909 tiveram pertences aniquilados;
  • 554 famílias foram expulsa;
  • 1.091 foram despejadas judicialmente, sendo impedidas de acessa áreas coletivas, como roças, áreas de extrativismo do babaçu e outras;
  • 143 foram alvo de crimes de pistolagem;
  • 85 de grilagem e
  • 185 de invasão de seus territórios.

Aumento de casos de trabalho análogo ao escravo

Segundo o relatório, os primeiros seis meses de 2023 foram marcados pelo aumento no número de registros de trabalho escravo rural (102) e de pessoas resgatadas desta condição (1.408). Esse dado já é o maior dos últimos 10 anos, e continua em ascensão. Para a CPT, esse aumento está relacionado à maior visibilidade para esse tipo de violências devido à maior fiscalização dos órgãos oficiais.

As atividades econômicas com mais trabalhadores resgatados foram:

  • Cultivo da cana de açúcar (532)
  • Lavouras permanentes (331)
  • Associação do agronegócio com a mineração (104)
  • Desmatamento (63)
  • Produção de carvão vegetal (51) e
  • Pecuária (46)

Conflitos pela água

O Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno registrou queda nos conflitos pela água, passando de 130 para 80 neste ano. O número de famílias envolvidas caiu de 31.108 para 29.316. Essa redução, no entanto, não significa redução nos danos dos empreendimentos que afetam diretamente as populações que se relacionam e dependem das águas para sobreviver. É o caso dos povos indígenas, os mais afetados (32,5%), seguidos de quilombolas (23,75%), pescadores (15%), posseiros (6,25%) e ribeirinhos (6,25%).

Houve aumento, porém, da contaminação por agrotóxicos entre os conflitos pela água, que passaram de 8, em 2022, para 14, em 2023. O número de famílias envolvidas mais que dobrou, de 609 para 1.490.

Violência contra a pessoa

Neste tipo de abordagem, houve um aumento expressivo no número de vítimas, passando de 418 no primeiro semestre de 2022 para 779 neste.

  • 327 pessoas foram vítimas de contaminação por agrotóxicos;
  • 55 contaminadas devido a atividade envolvendo mineração;
  • 45 foram alvo de criminalização;
  • 42 detidas na luta pelos direitos.

Mulheres vítimas

A CPT detectou aumento na violência contra as mulheres camponesas. O número de casos subiu de 94 registros para 107, em uma tendência de crescimento desde 2021.

O destaque foi para os estupros de 30 adolescentes yanomami por garimpeiros ilegais no mês de fevereiro. Mas as mulheres também sofrem com intimidação (20), ameaças de morte (16), agressão (6), criminalização (5), cárcere privado (5), dentre outros, lembrando que a mesma pessoa pode sofrer mais de uma violência numa mesma ocorrência.

Mortes violentas

Neste primeiro semestre houve redução no número de assassinatos em relação ao período anterior. Passou de 29 para 14, uma queda de 51,72%. Até a data da publicação, havia registro de 18 pessoas assassinadas em contexto de conflitos no campo. Quase 80% dos casos ocorreram na Amazônia Legal (11), o que torna a região a mais vulnerável para a violência que dizima a vida de pessoas no campo brasileiro. Os povos indígenas ainda são as maiores vítimas (6), seguidos dos trabalhadores sem terra (5), posseiro (1), quilombola (1) e funcionário público (1).

Também houve redução nas ameaças de morte (78 para 56) e nas tentativas de assassinato (49 para (30). Em compensação aumentaram aumentaram os casos de mortes em consequência (59) e agressões (54).

Quem mais causou violência

  • Fazendeiros (19,75%);
  • Governo federal (19,33%);
  • Empresários (16,95%);
  • Governos estaduais (13,31%) e
  • Grileiros (8,54%).

Segundo a CPT, a criação de ministérios como o dos Povos Indígenas, Igualdade Racial, e o restabelecimento do Ministério do Desenvolvimento Agrário, além outras medidas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não foram suficientes contra a força política do agronegócio. Além de causar alta contaminação por agrotóxicos, os empreendimentos de mineração, usinas hidrelétricas e de energias renováveis, como a eólica, são apontados como fatores de conflitos.

Quem mais sofreu violência

Em relação à categoria que sofre a violência por terra, os povos indígenas e suas comunidades são as mais atingidas com 38,2% dos casos, seguida dos trabalhadores rurais sem terra (19,2%), posseiros (14,1%) e quilombolas (12,2%).

Crimes devido a omissão e conivência

Há ainda registros de violência no campo decorrentes da omissão dos poderes públicos, ao não garantir os direitos previstos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ou seja, a OIT determina a consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades tradicionais, em empreendimentos públicos ou privados que poderão afetá-los diretamente.

Outra forma de omissão e conivência é não demarcar territórios de povos originários e tradicionais. Além disso, os governos estaduais intensificaram a perseguição aos movimentos organizados de luta pela terra em alguns estados no Brasil, por meio de ações policiais.

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Redação: Cida de Oliveira