Auxílio Brasil

Sicsú: Bolsonaro troca Bolsa Família por programa ‘emergencial e desestruturante’

Economista e professor da UFRJ lembra que o programa criado por Lula, que existiu por 18 anos, era de Estado e atravessou governos. Já o Auxílio Brasil tem prazo para acabar

Marcello Casal/ Agência Brasil
Marcello Casal/ Agência Brasil
Com prazo para acabar, programa do governo Bolsonaro não dá perspectivas às famílias e não incentiva a educação e a saúde

São Paulo – O Auxílio Brasil, criado pelo governo para substituir o exitoso Bolsa Família, tem sido duramente criticado por ser um programa com data para acabar e servir para alavancar a popularidade do chefe de governo e seus aliados, com vistas às eleições de 2022. Mas as diferenças entre o benefício criado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva em 2003 e o “novo Bolsa Família”, como alguns o chamam, vão muito além. O programa que durou 18 anos e foi considerado referência mundial não era apenas monetário.

“O Bolsa Família era um programa social, abarcando diversas dimensões: a educação, a área da saúde, e inclusive a econômica. Envolvia transferência de renda, mas também obrigações”, diz João Sicsú, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para receber o benefício, os filhos das beneficiárias (que eram as mães) tinham de estudar e ser vacinados. As mães precisavam fazer exames regulares no SUS. “Era um programa global, estruturante das famílias, tanto que quem recebia os recursos eram prioritariamente as mães. Existia contrapartida em relação à saúde e educação. Por isso chama-se Bolsa Família, e não bolsa do indivíduo”, acrescenta.

Data de validade

Na quinta-feira (11), Jair Bolsonaro sancionou a Lei 14.236, que abre ao Orçamento da Seguridade Social da União, em favor do Ministério da Cidadania, crédito especial no valor de R$ 9,4 bilhões para o pagamento do Auxílio Brasil. O benefício está previsto para vigorar até dezembro de 2022, pouco mais de um mês após as eleições presidenciais.

O programa criado por Lula não se tornou referência por acaso. Estudos divulgados recentemente em veículos internacionais atestam que ele reduziu taxas de mortalidade materna e na infância. Num desses trabalhos (leia aqui), publicado no final de setembro na revista eletrônica Plos Medicine, pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA) mostraram o Bolsa Família reduziu em 16% a mortalidade de crianças de 1 a 4 anos entre a população mais pobre, principalmente filhos de mães negras e também prematuros.

Como observa Sicsú, o “novo Bolsa Família” de Bolsonaro é, na verdade, “um programa emergencial e desestruturante” em relação às necessidades das famílias, células fundamentais da sociedade, independentemente de como são estruturadas. Para o economista da UFRJ, ao transformar o Bolsa Família em um programa meramente econômico, a visão estruturante é substituída por uma perspectiva de “socorro”, que permitirá às pessoas comprarem alimentos.

Além de não estimular cidadãos, e principalmente cidadãs, a terem uma renda regular, um emprego, e não pedir nada em contrapartida, o Auxílio Brasil não é permanente e é exclusivamente econômico.

“A gente não quer só comida”

“Portanto, é muito limitado do ponto de vista da construção e organização de uma sociedade. É necessário, porque as pessoas estão famintas. Mas elas precisam de um pagamento regular para comprar produtos básicos e também de uma vida organizada, na escola e no sistema de saúde.” O Bolsa Família, lembra o professor, atravessou governos. Era um programa de Estado. O de Bolsonaro “traz insegurança às famílias e reduz a presença do Estado na organização da vida familiar, no sentido de apontar os caminhos na área da saúde e também na educação”.

Já o deputado Enio Verri (PT-PR) destaca outro aspecto perverso da iniciativa de Bolsonaro: “Além de acabar com um projeto estruturante de 18 anos para construir outro de um ano, diminui o número de pessoas atendidas”. O auxílio emergencial, criado pelo Congresso no contexto da pandemia de covid-19, atendia 39 milhões, incluindo os quase 15 milhões do Bolsa Família. O Auxílio Brasil vai chegar a 17 milhões. “Então, 22 milhões não vão receber absolutamente nada”, diz o parlamentar.

Ironia

O Auxílio Brasil começa a ser pago na próxima quarta-feira (17), ironicamente seguindo o calendário do Bolsa Família. As famílias receberão um tíquete médio de R$ 217,18. Para vigorar em definitivo (até dezembro de 2022), o Congresso precisa aprovar a Medida Provisória 1.061/2021, que instituiu o programa, até 7 de dezembro. Assim, para chegar aos R$ 400 prometidos por Bolsonaro, a chamada PEC dos Precatórios tem de ser aprovada e entrar em vigor.

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